Prestes a completar 20 anos de existência, em outubro deste ano, a Carta Magna ainda tem 51 dispositivos não regulamentados.

[...] Levantamento feito [pelo repórter Thiago Vitale Jayme, do Valor Econômico] mostra que 51 artigos, parágrafos ou incisos da Carta Magna ainda dependem de aprovação de lei ordinária ou complementar para ter efetividade. "Os impactos dessa apatia são enormes. O direito não pode ser lírico, pro forma, deve ter conteúdo. Ficamos com uma Constituição que não tem plena eficácia", diz Marco Aurélio Mello, ministro do Supremo Tribunal Federal.

"Sem regulamentação, fica uma lacuna, porque a regulamentação possibilita a aplicação plena do direito previsto na Constituição", diz Moreira Alves, ex-ministro do STF. O ex-magistrado lembra que a Carta foi promulgada, em 1988, com quase 200 dispositivos por regulamentar. "Quando os constituintes se deparavam com um artigo mais polêmico, deixavam para que fosse regulamentado posteriormente", conta.

[...] Ciente da dificuldade de regulamentação de todos os artigos pendentes, a Constituinte de 1988 criou uma ferramenta jurídica para sanar as lacunas. Trata-se do mandado de injunção, recurso utilizado no caso de vazios legislativos. Foi dessa forma que o STF, no fim de 2007, tratou da dúvida sobre o direito de greve do servidor público, até hoje não regulamentado. Na ocasião do julgamento, o Supremo determinou a aplicação da lei de greve dos trabalhadores do setor privado às paralisações no funcionalismo.

Decisão semelhante tomou a corte em mandado de injunção sobre aposentadoria especial para trabalhadores do serviço público que atuam em atividades prejudiciais à saúde. O STF mandou aplicar a legislação do setor privado.

A omissão legislativa pode levar o país a situações de graves problemas institucionais. Não existe ainda, por exemplo, a lei que regula a eleição indireta para presidente e vice-presidente caso ambos os cargos fiquem vagos nos dois últimos anos do mandato. Se o país, em algum momento, se ver diante de um estado de defesa ou de sítio, não há qualquer legislação que limite os decretos presidenciais. Na prática, não haveria limites para as restrições a direitos individuais dos decretos do presidente da República.

Na lista de dispositivos pendentes, há duas curiosidades. A primeira é que a lei que definiria as atribuições e prerrogativas do vice-presidente da República nunca foi editada, o personagem continua tendo papel figurativo. Também depende de deliberação legislativa a lei da licença-paternidade. No Congresso Nacional, tramitam dois projetos sobre o tema. Um deles prevê dez dias de folga aos pais. Outro dá folga maior: 30 dias. Enquanto isso, valem os cinco dias que a Constituição previu até a edição da lei.

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Notícia de autoria do repórter Thiago Vitale Jayme, publicada no Valor Econômico, de 12-5-2008. Confira esta reportagem reproduzida em < http://clipping.planejamento.gov.br/Noticias.asp?NOTCod=429286 >