Aurora: o espião a 8.000 km/h

Fonte: Super Interessante

Jamais fotografado, o avião hipersônico Aurora é um segredo da Força Aérea americana. Mas relatos de testemunhas permitem traçar um retrato da nave que voa a 40 quilômetros de altitude e abre caminho para os aviões espaciais.

Jamais fotografado, o avião hipersônico Aurora é um segredo da Força Aérea americana. Mas relatos de testemunhas permitem traçar um retrato da nave que voa a 40 quilômetros de altitude e abre caminho para os aviões espaciais.

O controlador de tráfego aéreo da Real Força Aérea britânica (RAF) não esconde o espanto: em novembro de 1991, sobre a base de Machrinanish, na Escócia, o radar descobre um objeto que se desloca a uma velocidade três vezes maior que a do som. O jornal local, The Scotsman, espalha a notícia. Diversas testemunhas afirmam ter ouvido um ruído extremamente grave e intermitente nas cercanias da base, uti-lizada conjuntamente pela RAF e pela OTAN.


Enquanto isso, em Nevada, os sensores sismológicos instalados pelo Serviço Geológico dos Estados Unidos USGS registram vibrações produzidas por aeronaves que percorrem o céu do deserto a velocidades supersônicas. Pelo menos em quatro ocasiões, os 220 sensores disseminados pelo sul da Califórnia, desde a proximidade de Los Angeles até o Deserto de Mojave, detectaram ondas sonoras similares. Segundo os cientistas do USGS, elas pertencem a um veículo menor que o ônibus espacial , que mede 37 metros de comprimento. Por seu lado, a NASA afirma que nenhum ônibus espacial ou avião SR-71 Blackbird, que chega a três vezes a velocidade do som (cerca de 3 500 quilômetros horários), estava em missão durante esses dias.

No começo de 1992, várias testemunhas em Nevada e na Califórnia afirmaram ter ouvido ruídos extremamente fortes, e às vezes pulsantes, causados por aeronaves não identificadas. Desde então, depoimentos semelhantes foram se acumulando, sempre em áreas desérticas ou pouco povoadas. Várias fotografias de estranhos rastros de condensação foram publicadas: largos fios de vapor branco salpicados em intervalos regulares por bolas de fumaça.

A proximidade das visões com bases secretas da Força Aérea dos Estados Unidos (USAF) e vários outros indícios fizeram surgir rumores da suposta existência de um novo avião secreto: um aparelho capaz de voar a velocidades entre Mach 6 e 8 ou seja, seis a oito vezes a velocidade do som, entre 6 400 e 8 500 quilômetros por hora e a altitudes que superam 30 ou 40 quilômetros. Seria este o até então secreto Aurora, que o jornal americano The New York Times revelou em 1988?



A verdade não se conhece, mesmo que hoje se saiba mais do misterioso Aurora do que em 1985, época em que foi identificado o caça invisível F-19, um dos aviões stealth (indetectável pelo radar). Este também era um grande segredo da USAF e, como o Aurora hoje, despertou muita especulação. A Força Aérea fez de tudo para que os segredos do F-19 não fossem descobertos e, contra toda a lógica, o caça invisível levou o nome de F-117A uma sigla completamente fora da seqüência dos outros aviões militares americanos. Suas linhas demonstraram como estavam equivocados os especialistas ao intuir qual se-ria o aspecto exterior de um avião indetectável pelo radar. Nada de traços suaves e arredondados, como se apostava: o F-117A é a mais angulosa das aeronaves conhecidas.

Como nessa ocasião, também agora se especula sobre as linhas e as qualidades do misterioso Aurora. Sua sigla deveria ser SR-72, já que desbancou o SR-71 Blackbird, embora a Força Aérea nunca tenha admitido ter construído um sucessor para o espião aposentado em fevereiro de 1990. Alegou-se então que o avião espião era desnecessário, pois seu trabalho de reconhecimento de terreno ou inspeção de instalações nucleares em países como Iraque, Índia e Coréia do Sul passava a ser feito por satélites. Uma conversa difícil de acreditar, já que, como espião, o satélite tem um defeito grave: todos os vigiados sabem exatamente onde e a que horas eles passam sobre seu território. Se o Blackbird saiu de cena, provavelmente foi porque atrás dele vinha um avião muito melhor.


Dada a velocidade a que o Aurora deve se deslocar, tudo o que se pode afirmar quanto às linhas externas é que são muito refinadas aerodinamicamente. Talvez ele possua um desenho de asa em delta muito pronunciada e boa integração entre as partes ou seja, com a menor diferença possível entre as distintas formas de fuselagem, cabine, asas, superfície de controle (como flaps e leme) e motor. Este último parece o lado da história mais fácil de adivinhar: é, quase certamente, um ou vários estatopulsorreatores.

Essencialmente, esse motor nada mais é do que um tubo aberto nas extremidades, dentro do qual se injeta um combustível que é queimado imediatamente, cujos gases resultantes são ejetados pela extremidade traseira. O ar para a combustão penetra pela dianteira, e para comprimir a mistura aproveita-se a pressão dinâmica do próprio ar, absorvido pelo avanço do motor enquanto o avião se desloca.

É óbvio que um sistema propulsor desses necessita, para funcionar, encontrar-se previamente em movimento. Os estatorreatores, eficientes em altas atmosferas, não funcionam a velocidade zero, conta o engenheiro Maurício Pazini Brandão, do Instituto Tecnológico da Aeronáutica. Todas as aeronaves impulsionadas por esses motores ou são lançadas de outras já em vôo ou dispõem de outros meios de decolagem. Geralmente utilizam fo-guetes aceleradores conhecidos como boosters. Quando colocam a aeronave na altitude adequada, os boosters se desprendem ou são expulsos, eliminando-se assim um peso morto.

Porém, pelos curiosos rastros de condensação que o suposto Aurora deixa atrás de si, é possível que o avião secreto disponha de um motor especial um pulsorreator. Motores de reação muito parecidos com os estatorreatores, os pulsorreatores foram utilizados pelos alemães nas famosas bombas V-1 da Segunda Guerra Mundial. Consistem, em princípio, em um tubo em cuja parte dianteira se encontra uma câmara de combustão. Quando o ar penetra pela abertura dianteira, ela se fecha ciclicamente para permitir a queima da mistura de ar e combustível, obrigando os gases a sair pela extremidade traseira. Do abre e fecha vêm o nome e o característico som intermitente que fez os britânicos chamarem as V-1 de buzz-bomb, ou bomba zumbidora. O motor da bomba voadora alemã funcionava com gasolina, e o sistema que fechava a tubeira de admissão era uma persiana metálica. A principal vantagem do pulsorreator é que não precisa estar em movimento para arrancar, já que basta fechar a admissão e iniciar a detonação para conseguir um primeiro empuxo.


Esse tipo de propulsor se caracteriza por receber o ar necessário para a combustão por um diafragma. Imediatamente depois da admissão, injeta-se o combustível, provavelmente metano ou hidrogênio líquido, e se detona a chama. A onda de choque ricocheteia na parede dianteira e expulsa em direção ao exterior uma parte da mistura de gases. A maioria é expelida para trás, pela saída de escape, proporcionando o empuxo e empurrando a aeronave para a frente. A pequena porção de gases que sai pelo diafragma forma as bolas de fumaça visíveis no rastro de condensação.

Assim, consegue-se uma espécie de combustão intermitente ou pulsátil. Além disso, não é necessário reduzir a velocidade de entrada do ar no motor, o que nos estatorreatores é capaz de apagar a chama da combustão. A taxa de compressão da mistura aumenta progressivamente com a velocidade do avião, conseguindo-se desta forma uma considerável aceleração. No entanto, continua a necessidade de iniciar o movimento da aeronave por outros meios, até se conseguir a velocidade imprescindível para que o sistema pulsorrreator funcione.

Uma das alternativas é deixar o diafragma fechado durante a fase de decolagem e aceleração em ascensão. Assim, o motor não funcionaria como um pulsorreator, mas como um propulsor semelhante ao dos foguetes, utilizando inclusive oxigênio líquido como combustível. Mas também é possível que o Aurora empregue outros sistemas, como boosters semelhantes aos dos mísseis movidos por estatorreatores. Ou que seja uma aeronave composta, similar às dos projetos europeus Sän--ger e Hotol. O primeiro, de origem alemã, será um veículo duplo: o infe-rior, dotado de turborreatores e o su-perior, a verdadeira aeronave espa-cial, com motores de foguete.

O Hotol (Horizontal Take-Off and Landing, ou decolagem e aterrissagem horizontais) é outro projeto de veículo transatmosférico, de concepção britânica. Ele deverá ser capaz de decolar com turborreatores e, uma vez alcançada grande altitude, acionar seus motores foguetes para comportar-se como um verdadeiro veículo espacial e transportar 60 passageiros de Londres, na Inglaterra, a Sydney, na Austrália, em pouco mais de uma hora. Proeza semelhante fará o National AeroSpace Plane (Nasp), o futuro avião civil hipersônico americano. Para este plano, a empresa americana Rockwell apresentou há alguns anos um sistema de trolley.

O trolley é, neste caso, uma asa voadora dotada de motores a reação que se desprendem assim que o conjunto chega a altitude e velocidade adequadas. O Nasp é atualmente o maior foco de pesquisas da Força Aérea americana. O objetivo é chegar a um avião capaz de decolar de pistas comuns e entrar em órbita, afirma o engenheiro Maurício Brandão. Mas, para isso, ele teria de atingir a fantástica velocidade de Mach 20, ou mais de 21 000 km/h.

Esse ambicioso projeto anunciado pelo presidente Reagan em 1986 como o novo Expresso do Oriente, será capaz de decolar do Aeroporto Dulles, em Washington, acelerar até 25 vezes a velocidade do som, alcançando uma órbita terrestre baixa, ou voar a Tóquio em duas horas. Segundo suas palavras, ele poderia se converter em um avião militar. Mas também pode ser usado como transporte espacial mais econômico e versátil que o Space Shuttle atual ou como um trans-porte hipersônico de passageiros por todo o planeta.


Fábrica de velocidade

O avião hipersônico Aurora poderia ser equipado com um pulsorreator. Este motor consiste num tubo com uma câmara de combustão na qual o ar entra e sai alternadamente para misturar-se ao combustível. Quando a câmara se fecha, os gases escapam pela parte traseira, proporcionando à nave um grande empuxo.