Sob o símbolo da foice e do martelo, aérea aposenta Tupolevs

Andrew E. Kramer - The New York Times - Terra

O símbolo da Aeroflot continua a ser uma foice e martelo com asas, mas a antiga linha aérea comunista terminou por abandonar a maior parte de seu passado soviético. A maior prova disso até o momento é que, pelo final deste ano, sua frota será quase inteiramente composta por aviões produzidos nos Estados Unidos e na Europa Ocidental.

A Aeroflot está vendendo todos os seus jatos Tupolev, os aviões de passageiros mais comuns no antigo Bloco Oriental. Quando eles se forem, apenas seis dos cerca de 100 jatos na frota da empresa serão aviões russos. E esses aviões, do modelo Ilyushin Il-96, só voarão na Rússia e para destinos estrangeiros seletos, entre os quais as rotas Moscou-Havana e Moscou-Hanói.

Que a Aeroflot venha a operar quase exclusivamente jatos Boeing e Airbus é uma reviravolta notável para uma empresa que, no passado, era dona de virtualmente todos os aviões de transporte civil da União Soviética. Mas a companhia vem tentando se reinventar como especialista em viagens de negócios, e seus passageiros tendem a preferir os aviões ocidentais.

Embora os especialistas afirmem que os aviões russos sejam bem construídos, manutenção e reparos precários lhes propiciaram uma má reputação, depois do colapso da União Soviética. E, como qualquer passageiro poderá lhe contar, eles também são apertados e barulhentos. "Eu olho para cada rebite e cada parafuso, e imagino se algum deles está solto; isso preocupa", diz Anastasia Tkachova, universitária que estava embarcando em um voo da Aeroflot para Londres no aeroporto Sheremetyevo, de Moscou.

"Voar de Airbus é mais confortável", diz outro passageiro, Mikhail Kotlyarov. Mas ele não demora a acrescentar, com um toque de pesar, que "a Rússia já não terá seus próprios aviões".

Não exatamente. Na verdade, a despeito da decisão da Aeroflot, a frota de jatos russa para transporte interno pode estar na verdade realizando um improvável retorno ao mercado.

Foi o consumo de combustível muito mais alto dos aviões russos que os condenou no caso da Aeroflot, especialmente se considerados os tempos difíceis que o setor de transporte aéreo está vivendo em todo o mundo. O presidente-executivo da empresa, Vitaly Savelyev, disse que a companhia é deficitária em cerca de 40% de suas rotas, e que teria de demitir cerca de seis mil funcionários nos próximos dois ou três anos, de acordo com reportagem publicada na segunda-feira pelo jornal de negócios Vedomosti.

Ao longo de sua história, é claro, a Aeroflot já enfrentou inúmeros problemas. Histórias de horror não faltam, ainda que em termos estatísticos o transporte aéreo russo fosse tão seguro quanto o ocidental, ao menos até uma série recente de acidentes, com aviões tanto ocidentais quanto russos, cuja culpa foi atribuída primordialmente a erros de pilotagem.

Tkachova recordou uma decolagem apavorante na qual os comissários de bordo, postados nos corredores e observando pelas escotilhas, atualizavam o piloto periodicamente sobre o acúmulo de gelo nas asas do aparelho.

Tkachova disse que ficou com tanto medo que uma comissária mais tarde lhe deu goma de mascar, para que ela se acalmasse.

Irina Danenberg, porta-voz da Aeroflot, diz que a empresa está vendendo seus Tupolev 154 porque gastam muito mais combustível que os aviões ocidentais, e não devido a questões de segurança. O legado soviético "é completamente irrelevante" hoje, de acordo com Nikolai Kovarsky, um consultor de negócios de Moscou que fez uma avaliação da Aeroflot. "O pessoal é extremamente amistoso e extremamente profissional. O serviço é impecável. E são todos russos".

A Aeroflot no momento opera 26 Tu-154, que vai vender, com a demissão das tripulações desses aparelhos a fim de economizar custos. A reforma da frota é vista como vitória para empresa, que tem ações cotadas na bolsa de Londres e luta para abandonar seu papel como fonte de subsídios para fabricantes russos de aviões.

A tendência é clara na aviação da Rússia. Por enquanto, o Tu-154 e seu irmão menor, o Tu-134, continuam a ser os modelos de passageiros mais comuns no país, com cerca de 600 exemplares em serviço. Linhas aéreas russas encomendaram cerca de 100 dos novos modelos Tupolev, o Tu-204, para modernizar suas frotas. Mas há número semelhante de pedidos russos para a Boeing e Airbus, de acordo com a consultoria aeronáutica Airclaims CIS.

O setor aerospacial russo é um dos poucos que se provaram internacionalmente competitivos na economia do país, excetuado o ramo petroleiro. A falta de aviões modernos não reflete a situação atual do setor mas o colapso sofrido nos anos 90, já que o tempo de preparo de novos projetos é longo. Depois de uma reestruturação no setor de aviação do país em 2005, uma nova safra de aviões deve chegar ao mercado na próxima década.

A Aeroflot encomendou 30 jatos regionais à parceria Sukhoi-Boeing, e o novo superjato regional dessa empresa está sendo comercializado em todo o mundo como rival dos jatos regionais oferecidos pela canadense Bombardier e pela brasileira Embraer.

O Il-96, o último modelo russo em serviço na Aeroflot, continuará voando como avião presidencial da Rússia, apesar de um deles ter apresentado defeito nos freios em uma visita do então presidente Vladimir Putin à Finlândia, em 2005, o que resultou na demissão do presidente da Ilyushin.

Só restam 14 Il-96 em operação no mundo, entre os quais um de configuração flexível que serve a Cuba como jato de passageiros e avião presidencial. Porque Cuba tem tripulações de terra treinadas com o modelo, retê-lo para a rota Moscou-Havana permite operação mais barata, segundo a Airclaims. Enquanto isso, o fim da presença da Tupolev na frota da Aeroflot não deve ser visto como "abalo para a imagem" dos aviões russos, diz Boris Bychkov, da Airclaims. "Nós continuamos a ter excelentes caças a jato".