SAAB: Detalhes do Programa Sea Gripen

Fonte: Alide - por Felipe Salles

Nesta semana, ALIDE encaminhou ao Sr Peter Nilsson, VP de Capacitação Operacional do Gripen na Saab, um conjunto de perguntas visando esclarecer aos nossos leitores, um pouco melhor, sobre o recém anunciado programa Sea Gripen, a versão navalizada do caça sueco, voltada para o uso em navios aeródromos. A carta abaixo é a tradução para o português do texto integral que recebemos em resposta.

Sr. Salles,

Principalmente em função do fato da Saab AB se encontrar em meio a um processo de RFI (Request for Information – Solicitação de Informações) com o governo indiano eu não terei como responder a todas as suas perguntas a respeito do Programa Sea Gripen. Espero, no entanto, o resto desta carta possa dar a vocês e aos seus leitores novas e interessantes informações.

Antecedentes

A empresa Saab AB tem, em diversas ocasiões, desde o início do programa Gripen, analisado e discutido internamente a possibilidade de produzirmos uma versão de porta-aviões do nosso avião. Os primeiros destes estudos datam de meados da década de 90. Estas análises foram iniciadas devido ao interesse demonstrado por diversas nações que consideram o Gripen baseado em terra como sua principal alternativa futura em termos de caça e que ou tem, ou ambicionam ter, navios aeródromos em suas esquadras.

O fato do Gripen poder operar desde bases limitadas/improvisadas em trechos retos de rodovias naturalmente contribuiu para isso. Esta “capacidade única” – de poder operar desde pistas curtas e rudimentares naturalmente conduz à questão: “Quanto esforço de reprojeto seria necessária para se reprojetar o Gripen em um verdadeiro avião para porta-aviões?”.

Os requerimentos básicos originais da Força Aérea Sueca visando estas operações nas estradas, são bastante “semelhantes às das operações embarcadas”. Qualidades como: a baixa velocidade de pouso, o grande controle de arfagem e de rolagem, a grande precisão no controle no vôo dentro do `glide slope`, a capacidade de efetuar pousos de alta precisão, a certificação para realização de altas taxas de descida, a estrutura reforçada da fuselagem,etc. são elementos básicos do projeto desde o seu início. Devemos também adicionar a esta visão as importantes características do Gripen para manutenção simplificada no campo. Exemplos desta simplicidade de manutenção são, a capacidade da troca da turbina em menos de uma hora, mesmo fora da base aérea, e a falta da necessidade de uma fonte externa de eletricidade, que mostram que a criação de um caça de porta-aviões desde o projeto do Gripen é um “salto”muito menor do que seria desde outro modelo qualquer de caça, originalmente baseado em terra...



O Programa Sea Gripen

A decisão da Saab AB lançar este novo programa foi tomada dentro do contexto de que duas de nossas campanhas de vendas em andamento são em países que se encontram, ambos, no início do desenvolvimento da capacitação de aviação baseada em navios-aeródromos, especificamente o Brasil e a Índia. Nós também identificamos mais países que, no futuro, provavelmente, entrarão também nesta arena. Atualmente, ou estes países são forçados a equipar seus NAes com aeronaves de uma geração anterior, ou o grande porte dos novos caças os forçará à aquisição ou, alternativamente, à construção de navios muito maiores que os atuais.

No momento do lançamento do Programa Sea Gripen a Saab AB não havia recebido ainda nenhum pedido formal nem da Índia nem do Brasil. Nosso processo de vendas/comunicações junto às forças aéreas destes dois países não geraram nenhuma discussão a respeito de aeronaves baseadas em porta-aviões.Se houve algum tipo de discussão interna, ou processo de “benchmarking” entre as Forças Aéreas e as Marinhas, nós não tomamos conhecimento.

No entanto, no dia 10 de dezembro passado, a Saab recebeu um RFI oficial (Request For Information) das Forças Armadas Indianas. De parte da Marinha do Brasil nós não temos ainda, neste momento, nenhum “Request For Information” formal.

Referente às suas perguntas sobre o programa, especificamente: número de pessoas envolvidas, os investimentos realizados e previstos, cronogramas, número de protótipos (test vehicles) ou desenvolvimentos futuros – lamentamos informar que a Saab AB não publica comentários sobre detalhes desta natureza. Nos encontramos neste momento em meio a um processo de RFI na Índia e por isso não podemos abrir nenhum dado ou detalhe abertamente sobre este programa específico. Todos estes dados e detalhes estão protegidos por termos de confidencialidade, conforme exigido pelos indianos. Este tipo de procedimento é comum em todos os programas da Saab, não apenas no caso do Sea Gripen.


Uma impressão artística do Gripen Naval mostra o caça decolando de um porta-aviões e equipado com mísseis ar-ar Meteor e IRIS-T e mísseis antinavios RBS 15F (SAAB)

Sea Gripen – a aeronave

Com respeito ao novo modelo em estudos a Saab AB, no entanto, já pode confirmar que:

•Sim existe um programa para os estudos e desenvolvimento do Sea Gripen, um novo avião derivado do Gripen NG para operações navais/baseadas em navio aeródromo

•O Sea Gripen está sendo estudado tanto para operações CATOBAR (lançado por catapulta) e STOBAR (lançado com ski-jump). Haverá, obviamente, diferenças em termos de peso máximo de decolagem entre as duas versões. No conceito CATOBAR o Sea Gripen terá o peso máximo de decolagem (MTOW) de 16.500 kg e um peso máximo de pouso de 11.500 kg. No conceito STOBAR os pesos dependerão diretamente do tamanho físico do convoo do navio aeródromo. A grosso modo a carga paga (payload combustível e armamento cairá em 1/3 quando comparada com o modelo CATOBAR. Não haverá nenhuma diferença na capacidade de retorno da aeronave nos dois modelos.

• O Sea Gripen é um programa de desenvolvimento adicional baseado no programa Gripen NG.

•Ainda que a General Electric já tenha planos futuros de crescimento dentro do programa da turbine GE 414 (o chamado EPE – Enhanced Performance Engine – Motor de Desempenho Melhorado) nós não estamos dependendo disso para o desenvolvimento do novo modelo do Gripen neste momento.

•Dentro do programa Sea Gripen nós dispomos de pessoal com experiência de operações embarcadas tanto na área de engenharia quanto na de pilotagem, em tempo de paz e também de combate.

•Os maiores reprojetos previstos na área técnica serão:

Novos trens de pouso, principal e dianteiro: para resistir às maiores taxas de descida e as forças derivadas da decolagem na catapulta.

Estrutura: será reforçada em algumas áreas, não constituindo-se num projeto completamente novo já que as modificações adicionadas no projeto do Gripen NG diminuitam a extensão do reprojeto caso o Sea Gripen tivesse que ser criado a partir dos atuais Gripens C/D.

Gancho de parada: este será uma versão reprojetada e reforçada da versão já desenvolvida para o gancho de parada emergencial desenvolvido dentro do programa Gripen NG.

“Marinização” da aeronave: este não será um dos maiores problemas, com o devido respeito devido ao ambiente naval, nós hoje já temos requerimentos muito rígidos, de clientes atuais e futuros, no que tange a resistência à corrosão da maresia na versão baseada em terra do Gripen. Estes requerimentos incluem proteção contra borrifos de água salgada e para operações em locais quentes e muito úmidos. Ainda assim, uma grande parte do programa está focada em garantir a alta disponibilidade dos sistemas do Gripen mesmo em operações navais.

No total, o reprojeto deverá adicionar peso à célula, o que dará ao avião um peso vazio entre 7500 e 8000 kg, ou seja, cerca de 400kg de peso extra quando comparado com o Gripen NG

• O Sea Gripen será uma alternativa muito interessante para países com navios aeródromos de menor porte. Sua bem equilibrada relação de peso/tamanho quando comparado com às alternativas bi-motores maiores permitirá a expansão das missões da aviação de caça embarcada de puramente “defesa aérea” na direção de um conceito mais amplo de “operações de cunho estratégico”, sem que seja necessário trocar de navios aeródromos.

•Todos os sensores, aviônicos e armamento que fazem parte do programa Gripen NG serão ofertados no Sea Gripen.

• Devido ao seu porte equilibrado não haverá necessidade de mudanças estruturais maiores, como, asas dobráveis, etc.
Conclusão

O programa Sea Gripen deve ser percebido como um programa de parceria entre a a Saab e um país/países que estejam em busca de uma maior independência nos seus programas de aviação de caça naval.

A Saab AB irá, com suas habilidades de projeto e de design e de engenharia, cooperar juntamente com indústria aeronáutica desenvolvida de seu parceiro/parceiros. Este país parceiro que deseje ter uma marinha com uma esquadra baseada em NAe, irá obter no Sea Gripen sua melhor opção de caça baseado em porta aviões do futuro.

As forças armadas suecas não apresentam demandas próprias para este tipo de aeronave, e por isso neste momento, não são parceiros do programa Sea Gripen.

O Sea Gripen irá se constituir num desafio para os atuais fabricantes de caças embarcados. A Saab tem o maior respeito pelo tamanho deste desafio da criação de um novo caça naval desde um caça anterior de uso em terra. Neste tipo de atividade já houve várias tentativas frustradas ao longo da história da aviação.

No entanto, o Gripen não é um caça qualquer, e eu desafio qualquer caça existente de porta aviões a conseguir pousar nas mais severas condições climáticas, com neve/chuva e fortes ventos de través, em uma pista padrão de estrada sueca de 17 x 800 metros. O Gripen inclusive já provou exigir menos pista ainda: 9 x 600m, sendo re-armado e reabastecido em menos que dez minutos e decolando em seguida. Isso, obviamente, feito não apenas uma única vez, para efeitos de exibição. O avião tem que ser projetado desde o início , com desempenho de sistemas embarcados, com um conceito de operações adequado e alta tolerância ao impacto operacional, durante uma vida operacional de trinta anos de operações diurnas nestas condições.

Nós não partimos do zero com o Sea Gripen. Aqui não teremos que alterar em nada a aerodinâmica provada do Gripen, nem os sistemas de controle de voo ou mesmo os aviônicos. Nós já temos uma estrutura de célula robusta, resistente e forte, projetada para um tipo de pouso “parecido” com os de porta-aviões.

Teremos, sim, que robustizar ainda mais os trens de pouso e o gancho de parada.Teremos ainda que reforçar a estrutura em alguns poucos pontos específicos, devido à certificação para uma ainda maior taxa de descida (> 7 m/s ou >20 pés/s) e às maiores forças e trações dos lançamentos na catapulta.

Todos estes desafios não estão sendo menosprezados por nós.

Agora, naturalmente, estes devem ser comparados com o desafio que será operar um Rafale ou Super Hornet desde o convés de um navio aeródromo do porte do São Paulo. Assim, visto por esta ótica, nossos “desafios”, subitamente, passam a parecer bem menores. Minha impressão é que é apenas uma questão de tempo até que a Marinha do Brasil também perceba isso…

Peter Nilsson Vice President Operational Capabilities, Gripen

Saab AB