Primeiro, muda a realidade; depois, as instituições se adaptam. O G-20, por exemplo, cujos ministros se reúnem hoje e amanhã em Paris, é expressão da mudança na distribuição do poder mundial a partir do final da Segunda Guerra, em 45. Se há duas décadas bastava reunir as sete maiores economias do planeta (G-7) para debater questões de interesse do mundo, o processo acelerado de globalização dos últimos 15 anos, com a cristalização dos chamados emergentes, forçou, felizmente, a ampliação daquele clube fechado.


Este G-7 + 13 cada vez mais se fortalece como fórum de definições-chave em conjunturas difíceis como a atual. Na agenda do encontro de Paris, uma sequência da cúpula realizada em Seul no final do ano passado, encontra-se, entre outos temas, a definição de indicadores para alertar sobre desequilíbrios nas economias.


O pano de fundo da pauta é o fato de as duas maiores economias, a americana e a chinesa, provocarem desbalanceamentos em todo o planeta, enquanto tentam resolver problemas internos efetivos. Os americanos, em ações compreensíveis para estimular sua economia e, por tabela, a geração de empregos, praticam forte política monetária expansionista, desvalorizam, assim, a moeda e inundam o mundo de dólares. Estes vão financiar operações especulativas com matérias-primas e ainda forçam uma indesejada valorização de outras moedas, caso do real.


Por sua vez, os chineses insistem em conservar desvalorizado de forma artificial o yuan, a fim de manter as exportações em ascensão e, desta forma, sustentar o crescimento interno em alta velocidade, necessário para absorver as centenas de milhões de chineses ainda na miséria no interior do país. Com isso, a China retarda a recuperação dos Estados Unidos - impedidos pelo câmbio de vender mais para os chineses - e invade os mercados, inclusive o brasileiro, com produtos baratos.


No caso do Brasil, Paris será um teste para a aplicação prática da esboçada política externa mais responsável, pragmática, não antiamericanista apenas por ranço ideológico. A diplomacia companheira jogava sobre os Estados Unidos todas as responsabilidades pelas atuais mazelas globais. Mas, na verdade, americanos e chineses são sócios nesta questão, e é preciso muita negociação para EUA e China, cada vez mais interdependentes, articularem suas políticas econômicas com a Europa e emergentes.


Atual presidente do G-20, o francês Nicolas Sarkozy defende a regulação dos mercados de derivativos e de commodities. Via derivativos coloca-se em debate o controverso controle do fluxo de capitais, tão ao gosto de autoridades brasilienses. Mas, quanto às commodities, não há negociação possível por parte do Brasil e dos EUA. Nenhum grande produtor agrícola tem interesse no assunto, por óbvio. Ora, se não fossem os superávits obtidos pelas exportações de produtos primários, o déficit externo brasileiro em contas correntes já teria explodido.


Não deverá ser conclusiva a rodada de Paris do G-20. Mas nem por isso é desimportante na tentativa de o mundo compartilhar problemas e soluções, e como oportunidade de o Brasil recalibrar sua diplomacia.


Fonte: O Globo