Em 17 de março, uma resolução da ONU autorizou a intervenção militar na Líbia. Desde então, a Otan coleciona uma sucessão de fracassos.

A intervenção militar ocidental na Líbia, que já começou confusa, completa 100 dias com uma coleção de fracassos. A operação, cujo comando passou para a Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) em 27 de março, já matou diversos civis, teve inúmeros casos de fogo amigo, provoca uma divisão interna entre os membros da aliança e o pior: até agora não conseguiu tirar o ditador Muamar Kadafi do poder. Com a série de trapalhadas, a credibilidade da Otan e dos países que apoiaram a ação de maneira enfática, como a França e a Grã-Bretanha, fica em xeque. “Não acho que a Otan vá entrar em colapso, mas pode se tornar irrelevante”, disse ao site de VEJA o historiador Lawrence S. Kaplan, docente da Universidade de Georgetown.

Quando as Nações Unidas emitiram a resolução 1973, em 17 de março, autorizando uma intervenção militar para proteger os civis que eram duramente reprimidos por Kadafi, imaginava-se que a operação seria rápida e simples. Contudo, 4.613 bombardeios e três meses depois, a Otan se vê diante de mais complicações do que esperava enfrentar. A começar pela permanência de Kadafi no poder, apesar de ele nunca ter contado com um Exército forte e leal e de toda a pressão externa. “Uma das maiores dificuldades da Otan é encontrar Kadafi. Ele muda de lugar com tamanha frequência que é difícil conseguir informações de inteligência com a mesma rapidez”, explica Stan Sloan, ex-conselheiro sênior do Congresso americano em políticas de segurança internacional e autor do livro Permanent Alliance?: NATO and the Transatlantic Bargain from Truman to Obama (Aliança Permanente? Otan e a barganha transatlântica de Truman a Obama, Continuum Books).


Mortes de civis - A capital líbia ainda é o maior reduto do ditador e provavelmente sede de seu principal esconderijo. Porém, os bombardeios da aliança militar a Trípoli são arriscados, já que vivem na cidade mais de um milhão de civis. O mais emblemático desses episódios ocorreu no último domingo. Na ocasião, um projétil da coalizão, que tinha como alvo um posto de lançamento de mísseis das forças do regime, desviou-se e atingiu um edifício residencial, matando nove pessoas.

Kadafi soube tirar proveito desse erro de maneira oportunista. As fotos de um tour mórbido - organizado pelo regime para a imprensa - mostram jornalistas chorando, sensibilizados, diante dos cadáveres de crianças com menos de dois anos. A Otan, por sua vez, foi obrigada a se justificar: "Nossa reputação não foi colocada em questão", declarou o tenente-coronel Mike Bracken, porta-voz da missão. "O que é questionável é o uso de escudos humanos por parte do regime de Kadafi e os disparos de mísseis a partir de mesquitas", acrescentou.

Rebeldes - Além das baixas civis, a aliança militar sofre com uma falta crônica de coordenação com as forças dos rebeldes líbios. Como não tem autorização para realizar ataques por terra, é indispensável para a Otan trabalhar em parceria com as tropas insurgentes. Isso, porém, nem sempre acontece. No princípio da operação, o problema de comunicação era tamanho que, em mais de uma ocasião, a Otan atacou tropas insurgentes confundindo-as com alvos do governo, provocando mortes entre os seus próprios aliados.

Os rebeldes - que, em geral, estão insatisfeitos com o desempenho da Otan no conflito - também consideram que as respostas da aliança aos seus pedidos de apoio são lentas. Para que um bombardeio aéreo seja realizado na Líbia, por exemplo, um insurgente deve consultar o comando rebelde em Bengasi. O comando, por sua vez, envia o pedido a oficiais da Otan que, só então, encaminham a solicitação a Bruxelas e obtêm aprovação para o ataque.

Divisão interna - Para Kaplan, a falta de coordenação entre rebeldes e Otan é só parte do problema. "Para começar, essa foi uma campanha encabeçada por França e Grã-Bretanha, mas praticamente todo o equipamento militar usado é americano", pondera o especialista. "É óbvio que os britânicos e franceses não deram conta do recado e estão necessitando cada vez mais da ajuda dos americanos. Mas eu não creio que os Estados Unidos vão querer ir mais longe nisso e oferecer novos equipamentos”, acrescenta.

As divergências se agravam à medida que conflito se prolonga. No último dia 15, chefes de defesa da coalizão se reuniram em Belgrado para discutir a campanha militar na Líbia. Na ocasião, o secretário de Defesa dos Estados Unidos, Robert Gates, reclamou da postura dos aliados europeus, que relutam em comprometer mais recursos para manter os bombardeios nos próximos meses.

Ao mesmo tempo, o presidente dos EUA, Barack Obama, enfrenta uma ação do Congresso americano, que o acusa de iniciar uma intervenção militar ilegal. Os parlamentares alegam que o presidente precisava da aprovação dos legisladores para envolver o país na operação.

Credibilidade - Entre brigas e incertezas, a Otan precisa encontrar uma maneira rápida de reverter a situação - e impedir que Kadafi continue zombando da aliança militar. “Se a operação na Líbia se encerrasse hoje, seria um grande fiasco para a Otan”, opina Sloan. “A boa notícia é que ela não vai terminar agora. E, para sorte da coalizão, tudo aponta para uma eventual queda do ditador, que já está bastante isolado”.

Fonte: Veja