Na véspera da captura e da morte de Muamar Kadafi em Sirte, o primeiro-ministro rebelde, Mohamed Jibril, convocou a imprensa líbia e estrangeira para uma reunião no Qaat Alshaab, o Congresso do Povo, em Trípoli. Em um discurso franco, criticou as lutas internas pelo poder no Conselho Nacional de Transição, advertiu para a ameaça de caos pós-revolucionário no país e anunciou – mais uma vez – seu afastamento da vida política tão logo a Líbia fosse liberada.

Quatro dias depois, Jibril nem mesmo participaria da festa da vitória, em Benghazi, revelando as divisões no Conselho Nacional de Transição (CNT) às vésperas do fim do mandato da Organização para o Tratado do Atlântico Norte (Otan) no país, amanhã.

Com sua ausência, o chefe de governo e da diplomacia do CNT durante os oito meses da revolução desejava enviar um sinal: preferia deixar de lado qualquer ambição por poder e mudar-se para o Catar a ter de enfrentar as duras negociações internas por cargos no conselho. Esse é o cenário político na Líbia do pós-revolução: um emaranhado de grupos locais, representantes de cidades e tribos que enaltecem suas vitórias na guerra, assim como suas perdas, para obter mais espaço no governo interino que será formado até as eleições gerais, em oito meses.

Ao longo de duas semanas o Estado conversou com líderes locais e nacionais, intelectuais e com a população. Duas conclusões sobressaem: a primeira indica que a sociedade civil está desconectada das negociações, e mal conhece os nomes dos novos líderes políticos do país; a segunda é que, a despeito da indiferença pública, briga-se muito pelo poder em um momento delicado, em que o Conselho de Segurança das Nações Unidas revoga o mandato da Otan no país.

Na prática, o CNT perde seu “anjo da guarda”, a máquina de guerra que permitiu que vencesse a revolução contra as tropas de Kadafi. Além disso, os rebeldes perdem – ao menos oficialmente – grande parte da capacidade de inteligência para perseguir os líderes do regime deposto em fuga pelo país, como Saif al-Islam Kadafi, filho e herdeiro político do ditador, e Abdullah al-Senoussi, ex-chefe do poderoso serviço de espionagem da Líbia.

Disputas

Em meio a esse cenário político ainda instável, as disputas internas mostram-se cada vez mais presentes, com sobe e desce de nomes. Mohamed Jibril, o premiê do CNT, deixa o cargo sem dar maiores explicações, desgastado com o jogo político que diz não gostar. Mustafa Abdel Jalil, presidente do conselho, não apenas se mantém no cargo, como gesticula em favor de uma aproximação com as correntes mais conservadoras do Islã na Líbia. Daí seu discurso, há uma semana, defendendo que a nova Constituição do país tenha inspiração na lei islâmica, a sharia.

Mesmo dentro da corrente mais radical, as divergências mostram-se cada vez mais visíveis. Antes poderoso no comando militar dos rebeldes, Abdelhakim Belhadj – muito questionado por seus antigos vínculos com a Al-Qaeda no Afeganistão – saiu de cena e, segundo o Estado apurou, deve deixar nos próximos dias o CNT. Belhadj, ex-líder de um grupo de combatentes islâmicos proscrito após os atentados do 11 de Setembro – tinha emergido como líder durante a operação para tomar Trípoli.


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Em seu lugar uma autoridade ascendente é Ramadan Zarmouh, chefe militar do CNT em Misrata. Fortalecido por três vitórias na guerra contra Kadafi – o cerco de Misrata, a participação na tomada de Trípoli e a tomada de Sirte, seguida da captura do ditador – Zarmouh estaria pressionando por mais espaço no comando do governo interino.

Fonte: Estadão - Via Plano Brasil