Quando era criança, minha mãe adorava recomendar a leitura do ABC de Boas Maneiras, livrinho de Marcelino de Carvalho, um dos senhores mais elegantes do Brasil dos anos 60. Sempre vestido em ternos impecáveis, Marcelino explicava na TV quando se deveria usar paletó e quando era aceitável vestir apenas uma camisa. Mostrava a forma correta de tomar uísque com gelo, que tipo de vinho combinava com cada prato e até como se dirigir de forma adequada com mulheres casadas e solteiras.

Penso no manual de boas maneiras diante da reação brasileria depois que o governo americano aplicou uma rasteira de 365 milhões de dólares na Embraer. Quem acompanha o caso sabe do que se trata. No final do ano passado, a empresa brasileira venceu uma concorrência para fornecer 20 Supertucanos ao exercito americano. Era um ótimo negocio, num mercado precioso para empresas de aviação.

Ontem, alegando “problemas na documentação”, o Secretário da Defesa anunciou que a concorrência será anulada e uma nova licitação será feita. Considerando o volume do negócio, a época difícil para os investimentos e o fato de que a empresa cocorrente era justamente uma companhia americana, há motivos de sobra para se acreditar que tenha ocorrido uma mudança no tapetão. Interessado em dar uma nova chance para o fabricante nacional, o governo americano irá refazer a concorrência.


Só uma visão ingênua pode achar esse comportamento estranho. Deixando de lado os ultraliberais que adoram prestar recomendações a países alheios mas raramente gostam de cumpri-las dentro de casa, é muito natural que o governo de um país dê prioridade a proteção de seus empregos e investimentos.
Apenas em países como o Brasil, onde os ultraliberais cometem o erro de levar-se a sério, é que não se enxerga isso. Por exemplo.

Quando o governo tomou medidas para proteger os empregos da industria automobilística, assistimos a um coro de indignados que pregava a necessidade de garantir condições iguais para os produtos importados, mesmo que eles tivessem um caráter predatório do ponto de vista da industria local.

Até agora, nossos ultraliberais permanecem em silêncio obsequioso diante do contrato perdido pela Embraer.

É provavel que nosso manual de boas maneiras econômicas seja assim. Quando se trata de proteger interesses brasileiros, o protecionismo é muito ruim. Quando se trata de protecionismo estrangeiro — aí é bom agir com cavalheirismo. Alguém sabe como se chama esse tipo de comportamento?

Fonte: Epoca - Por Paulo Moreira Leite