Mariana Frioli, webdesigner de 28 anos, tem um blog em que comenta os livros que lê e, vez ou outra, posta um vídeo com música ou trechos de filme. Ela não faz upload nem distribui conteúdo pirata. Por isso, estranhou quando recebeu uma ligação de um estagiário do Ecad. Ele lhe cobrava R$ 352,59. Por mês.

Mariana não sabe como conseguiram o número – em seu blog, a única forma de contato é via e-mail. O estagiário disse que ela teria de pagar ao Ecad por ter incorporado um vídeo no YouTube. Era um trailer do filme Delírios de Consumo de Becky Bloom. “Perguntei por que teria que pagar se eu não fiz o upload e meu blog é pessoal. O rapaz disse que, de acordo com o Ecad, retransmissão tem de ser paga, mesmo que eles já tenham recebido do YouTube”, conta Mariana. Por via das dúvidas, ela optou por tirar o vídeo do blog.

O blog Caligraffiti, sobre design e arte, recebeu há duas semanas um e-mail do Ecad com o mesmo recado. Uno de Oliveira, um dos donos do blog, diz ter ficado surpreso e, por isso, pediu esclarecimentos. “Nós não ganhamos dinheiro, só queremos escrever sobre arte”, diz.

No e-mail enviado pelo Ecad aos blogueiros, há uma explicação: os sites foram enquadrados como “webcasting”, o que exige um pagamento de R$ 352,59 mensais. O Ecad enviou aos blogueiros também um PDF de “cadastro de mídias digitais”. O formulário tem espaço para endereço e data de cobrança – tudo para facilitar o processo de pagamento.

“Mas a maioria dos blogs incorpora vídeos. Todos devem pagar? O trailer não é criado para divulgação? O responsável pelo trailer já não pagou pelo uso da música?”, questiona Mariana.

Segundo o escritório, os blogs cobrados “foram captados em um trabalho rotineiro e receberam o contato”. “Não existe nenhum trabalho de cobrança de direito autoral focado em blogs e sites, porém, todo usuário que executa música publicamente pode receber um contato”, explicou a assessoria de imprensa do órgão.

“A cobrança é absolutamente ilegal”, afirma Sérgio Branco, doutor em direito civil pela UERJ e pesquisador da FGV-Rio. “Quem está fazendo o streaming é o YouTube, que já tem um acordo com o Ecad ”, explica. O advogado Pedro Paranaguá, doutorando na Duke University School of Law, concorda. “Um blog que insere músicas disponíveis no YouTube não está retransmitindo nada. A transmissão é via YouTube. Não há que se falar em cobrança alguma.”

O Google também defende os blogueiros. “O Ecad não pode cobrar por vídeos do YouTube inseridos em sites”, escreveu Marcel Leonardi, diretor de políticas institucionais no Google, no blog do YouTube. “Tratar qualquer disponibilidade ou referência a conteúdos online como uma execução pública é uma interpretação equivocada da Lei.”

Taxa. O Google fechou em 2010 um acordo com o Ecad para pagar direitos autorais referentes ao YouTube. O valor exato, calculado sobre a receita do site, não é divulgado, mas segundo o Escritório as mídias digitais renderam mais de R$ 2,6 milhões no ano passado. “A cobrança mensal foge completamente a qualquer critério de proporcionalidade”, diz Sérgio Branco. “Há uma falta de critérios que decorre da falta de fiscalização”.

Depois que o caso veio à tona, o Ecad afirmou que a cobrança “decorreu de um erro de interpretação operacional”. Mas o escritório sustenta a legalidade do trabalho. Segundo o Ecad, no documento assinado com o YouTube “está definido que é possível fazer a cobrança das músicas provenientes de vídeos incorporados desde que haja notificação prévia ao Google”.

O escritório, no entanto, disse que está fazendo um trabalho de “reavaliação”. O Ecad diz que as cobranças foram “fatos isolados” e não soube dizer se há mais blogs que receberam o contato (ou já efetuaram o pagamento).

O Ecad havia justificado a cobrança afirmando que o contato com os blogs fez parte de um trabalho de “conscientização e esclarecimento”. Hoje o órgão tem cerca de 1,7 mil sites cadastrados que pagam direitos autorais pelo uso de música na web. Para Branco, a justificativa da entidade é mais um problema. “Cobrar de alguns blogs é escolher de quem cobrar, e isso é ilegal. Ou o órgão tem o dever de cobrar ou não tem.”

“Teria de existir alguma instituição para fiscalizar o Ecad”, avalia o professor da FAAP e advogado Guilherme Carboni. “A partir do momento que há o recolhimento é preciso garantir que o elemento da ponta, o compositor, receba.”

O caso acelerou o trabalho da CPI do Ecad, que corre no Senado desde outubro do ano passado. “Essa ação do órgão é um exemplo concreto de que o Ecad precisa ter algum tipo de fiscalização”, avalia o senador Randolfe Rodrigues (PSOL-AP), presidente da CPI. “A gênese de todos os problemas é a ausência de transparência e a não existência de uma fiscalização”, explica.

Segundo ele, a principal conclusão da CPI até agora é a necessidade de se instituir uma supervisão ao Ecad. A próxima reunião da CPI ocorrerá em São Paulo, no dia 26 de março. A expectativa é que o relatório final seja apresentado em abril, com uma proposta de alteração da Lei de Direitos Autorais.

Fonte: Blog do Estadão