Por 208 votos a 184, deputados aprovaram há pouco em plenário o texto-base da Medida Provisória (MP 795/2017), que concede benefícios fiscais a empresas petrolíferas que atuarão em blocos das camadas pré-sal e pós-sal, inclusive por meio de isenções para importação de máquinas e equipamentos (veja a íntegra e leia mais sobre a matéria abaixo). Apelidada de “MP do Trilhão” – por supostamente impor perdas da ordem de R$ 1 trilhão à União nos próximos 25 anos, em decorrência da isenção fiscal –, a medida isenta de taxas de importação, entre outras providências, produtos, projetos e serviços sob responsabilidade de empresas estrangeiras com interesses nos campos de petróleo brasileiros. Resta a votação de destaques apresentados para alterar o texto principal, a ser realizada na próxima semana.

A acusação oposicionista tem como base um conjunto de estudos produzidos pelas consultorias legislativa e de orçamento da Câmara. Segundo o trabalho, a redução e até isenção total de impostos contidas na MP 795/2017, que beneficia petrolíferas até 2040, significam uma renúncia fiscal de R$ 40 bilhões ao ano, o equivalente a R$ 1 trilhão nos próximos 25 anos. Ainda segundo o estudo, as regras definidas no mais recente leilão da Agência Nacional do Petróleo (ANP), realizado em 27 de outubro, reduzirão os ganhos decorrentes da exploração do petróleo em relação ao pregão promovido há quatro anos no campo de Libra – parcela desse dinheiro compõe o financiamento dos setores de educação e saúde.

Por meio de nota (veja abaixo) divulgada na última semana, a Receita Federal, órgão vinculado ao Ministério da Fazenda, apontou “erro de cálculo” e negou que a medida provisória representaria perdas de tais dimensões para o país. Na mesma linha, o relator da matéria, Júlio Lopes (PP-RJ), discursou em plenário e disse que a matéria, por meio das parcerias que viabiliza com os estrangeiros, “vai gerar bilhões para o Brasil”.

Durante a tramitação da matéria na comissão mista (deputados e senadores) especialmente instalada para discuti-la, parlamentares denunciaram a ação de lobistas de empresas como a Shell e British Petroleum para interferir no texto final. Em uma dessas ocasiões, o líder do PT no Senado, Lindbergh Farias (RJ), chegou a apontar a atuação de um “lobista da Shell” durante audiência na presença do deputado Júlio Lopes.

A crítica geral da oposição é que a proposta concede renúncia fiscal para empresas estrangeiras no momento em que o país enfrenta deficit orçamentário superior a R$ 150 bilhões e, no que é a principal pretensão da gestão Michel Temer (PMDB), enfrenta a discussão sobre a Previdência Social. Para os oposicionistas, em resumo, a MP faz o Brasil abrir mão de receita em um momento de crise econômica aguda. Mas, mesmo com a grita oposicionista, o plenário aprovou simbolicamente o parecer da comissão especial favorável aos pressupostos de urgência e relevância da MP.
A aprovação do texto principal foi obtida por meio de acordo, depois de horas de obstrução oposicionista. O entendimento consistiu na retirada da obstrução e na votação nominal do projeto de lei de conversão da MP, que é o resultado das mudanças operadas pelos parlamentares ao texto original. Com a votação nominal, exigência da oposição, o voto de cada deputado estará identificado – e, nesse sentido, exibirá ao eleitor quem votou “contra o Brasil e a favor das empresas petrolíferas estrangeiras”, nas palavras do deputado Alessandro Molon (Rede-RJ), que discursou pouco antes da aprovação da matéria. Em contrapartida, os destaques para votação em separado ficam para a próxima semana, sem o chamado “kit obstrução” – conjunto de instrumentos regimentais assegurado às minorias, com efeito de postergação das votações.
Debate
O debate sobre a matéria foi travado de maneira intensa em plenário. A temperatura subiu quando o relator da proposição fez críticas inflamadas a um consultor da Câmara que, a pedido do PDT, chefiou o trabalho apontando as perdas de receita decorrentes da isenção prevista na MP. Além de Júlio, para quem o especialista agiu ideologicamente, o deputado governista José Carlos Aleluia (DEM-BA) se referiu ao servidor como “competente militante do PT”.
Citado pelo relator como alguém “despreparado” e que “não estudou” a matéria, o líder do Psol, Glauber Braga (RJ) pediu a palavra para replicar a crítica e disse que Júlio Lopes endossaria o repasse de “um trilhão para as operadoras internacionais do petróleo”. “[Júlio Lopes] foi o braço direito de Sérgio Cabral [PMDB]. Me desculpe, deputado Júlio Lopes, mas da escola em que vossa excelência aprendeu eu não quero participar”, fustigou Glauber, referindo-se ao período em que Júlio foi secretário estadual do ex-governador do Rio de Janeiro, hoje preso e condenado por imposição da Operação Lava Jato.
“A Petrobras está sendo entregue aqui, hoje. Essa MP é uma vergonha”, criticou Júlio Delgado (PSB-MG). “O Brasil está abrindo mão de sua soberania em favor da Shell, do Reino Unido. Estamos abrindo mão de um projeto de desenvolvimento econômico”, emendou o líder do PT na Câmara, Carlos Zarattini (SP), para quem o relator da MP “entrará para a história como alguém que abriu mão da soberania nacional”.
Já para Jandira Feghali (PCdoB-RJ), a proposição fere o artigo 113 da Constituição e a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO). “É uma lei injurídica e inconstitucional. A relatoria não conseguiu explicar [a pertinência da MP], com todo estudo e com todo embasamento”, reclamou a deputada, ironicamente, apoiada pelo colega de oposição Chico Alencar (Psol-RJ). “Esta é a ‘medida provisória BPS’”, ironizou o deputado, explicando que se trata de uma “medida provisória da British Petroleum e da Shell”.
Por sua vez, o deputado Ronaldo Lessa (PDT-AL) disse que MP destrói a indústria nacional. “A gente vai abrir completamente a nossa indústria depois de termos provado ao mundo que podemos perfeitamente trabalhar em águas profundas. A própria indústria básica de máquinas do Brasil será completamente destroçada com a liberação, com a renúncia fiscal. O que se está fazendo é um crime contra o país”, declarou o parlamentar alagoano.
Mas alguns poucos deputados governistas defenderam a matéria. Entre eles o deputado Fabio Garcia (sem partido-MT), para quem o Brasil precisa garantir segurança jurídica ao setor petrolífero caso queira atrair invesitimentos. “Por meio desta medida provisória nós estamos, na verdade, aprimorando o Repetro, porque o mesmo incentivo fiscal que o PT deu a produtores de petróleo no Brasil, quando eles o prorrogaram, nós estamos agora ampliando para empresas brasileiras”, discursou.
“Se lhe falta informação, deputado Glauber, que pelo menos o raciocínio não lhe falte. Como é que vossa excelência acha que, no momento em que estamos contingenciados no teto da despesa, vamos abrir mão de 1 trilhão de reais da receita do Brasil? Vossas excelências não pensam que, se isso fosse verdade, a Petrobras amanhã não iria abrir a porta? Aquele governo desorientado e despreparado do PT deixou uma dívida na Petrobras de 88 bilhões de reais. Se isso fosse verdade, a Petrobras iria fechar amanhã, não teria como funcionar na segunda-feira que vem, porque o mercado mundial não aceitaria”, vociferou Júlio Lopes no momento mais tenso da sessão plenária, em meio a vaias da oposição.
Reação popular
Nos últimos dias, entidades da sociedade civil organizada fizeram o movimento contrário àquele operado no Congresso pelas grandes corporações do petróleo. Antes da votação desta quarta-feira (29), ambientalistas, especialistas e até indígenas se uniram a parlamentares para protestar contra a medida provisória. Mais cedo, um grupo foi ao Salão Verde da Câmara promover um ato contra a “MP do Trilhão”. Um mapa do Brasil inflável (foto acima) foi instalado em frente ao Congresso pela organização ambientalista 350.org Brasil, em protesto contra a proposição.
Na ocasião, foi divulgada uma carta advertindo sobre supostos prejuízos econômicos e climáticos provocados pela MP. O documento foi subscrito por mais de 120 organizações e da sociedade civil e entregue ao presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), que apoia a pauta reformista do governo Michel Temer e tem avalizado a votação de diversas medidas provisórias da atual gestão, a exemplo da MP 795/2017 – o deputado chegou a dizer que a matéria seria votada hoje (quarta, 29) “de qualquer jeito”. A carta foi lavada a Maia pelo cacique Kretã Kaingang (foto abaixo).
Redução de taxas
A Medida Provisória 795/17 cria regime especial de importação de bens e produtos a serem utilizados na exploração, no desenvolvimento e na produção de petróleo, gás natural e outros hidrocarbonetos. O texto também permite que, já a partir de 2018, corporações do setor de petróleo e gás deduzam de seus impostos (lucro real e à base de cálculo da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido-CSLL) valores aplicados em atividades de exploração e produção.
Com a isenção, a MP na prática reduz o impacto dos custos que as petroleiras terão com pagamento de CSLL e de Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ) no Brasil. A matéria também permite que as despesas com a compra de máquinas e equipamentos passem a ser dedutíveis do IRPJ e da CSLL.
Na votação da matéria, foi publicado paralelamente o Decreto 9.128/17. O instrumento legal prorroga, de 2020 para 2040, o prazo de validade do chamado “Repetro”, o regime aduaneiro especial de exportação e importação isenta de tributos federais equipamentos utilizados em pesquisa e exploração industrial de reservas de petróleo e gás natural (lavra de jazidas).
Nota da Receita:
A Medida Provisória nº 795, de 2017, visa alinhar a tributação do setor de petróleo e gás às práticas internacionais, reduzir o grande litígio tributário existente, restabelecer base tributária (com vistas a sua ampliação) e incentivar investimentos na indústria petrolífera do Brasil. Não existe concessão maciça de renúncia tributária. A principal desoneração contida na MP existe desde 1999, e está sendo apenas renovada e aperfeiçoada, para corrigir algumas distorções.
Veja a íntegra da nota da Receita

Do Congresso em foco
 
Apenas nos próximos três anos, o Governo Federal poderá deixar de arrecadar R$ 576,75 bilhões caso o Senado confirme a decisão da Câmara e aprove a Medida Provisória 795 - que estabelece regras de tributação especiais para as petroleiras estrangeiras.
A MP foi editada por Michel Temer (PMDB) sob a justificativa que era necessária para tornar os leilões de campos do pré-sal mais atrativos. Com os benefícios fiscais, o leilão teria mais interessados.
Toda essa movimentação aconteceu de maneira relativamente despercebida — até o jornal The Guardian publicar que o Governo britânico fez lobby em favor de suas petroleiras.
A Sputnik explica quatro pontos-chave para entender a MP 795.
Como funciona a exploração de petróleo no Brasil?
Por mais de quatro décadas, o petróleo brasileiro foi uma exclusividade da Petrobrás. O monopólio começou em 1953, quando o então presidente Getúlio Vargas criou a empresa, e foi até 1997, quando Fernando Henrique Cardoso assinou a Lei do Petróleo.
A legislação abriu o mercado nacional de pesquisa, exploração, produção e refino de petróleo e gás natural para empresas estrangeiras.
Entre indas e vindas legislativas, existem dois modelos de exploração de petróleo de maneira privada no Brasil hoje:
Concessão: o petróleo é explorado por uma empresa que assume os riscos de pesquisa e de investimentos. Essa empresa passa a ser a proprietária do petróleo que extrai. Em contrapartida, o Estado recebe pagamentos na forma de royalties.
Partilha: o petróleo é dividido entre Petrobrás e as outras empresas envolvidas na iniciativa — que ficam com uma porcentagem da produção determinada por contrato. Até o final de 2016, a Petrobrás era obrigada a ser a operadora dos campos de pré-sal e ter um mínimo de 30% de participação em todas as operações. Mas essa situação foi alterada por uma lei aprovada pelo Congresso Nacional.
O modelo de partilha foi utilizado no leilão de oito áreas do pré-sal realizado no final de novembro. Foram arrematadas seis delas, o que rendeu um bônus de assinatura de R$ 6,15 bilhões — uma quantia essencial para garantir a manutenção da meta fiscal.
A participação da Petrobras neste campos varia entre nenhuma até 80%.
Como foi lobby das petroleiras estrangeiras?
A preocupação das petroleiras britânicas com os impostos e as regras de utilização de material nacional foi transmitida pelo ministro de comércio do Reino Unido, Greg Hands, em três reuniões em março de 2017 com o secretário-executivo do Ministério de Minas e Energia, Paulo Pedrosa.
Pedrosa garantiu que as preocupações britânicas estavam sendo transmitidas ao Governo brasileiro. Temer editou a MP 795 em agosto.
O teor das reuniões entre Hands e Pedrosa foi descoberta por meio de uma correspondência diplomática obtida pela ONG Greenpeace através da lei de transparência britânica.
Após a publicação do relato, Pedrosa afirmou à imprensa nacional que a conversa com Hands foi uma "discussão normal entre representantes de dois países".
O que é um benefício fiscal?
Benefício fiscal é regime de impostos diferenciado, com descontos, utilizado para fomentar algum setor da economia que o Estado deseja incentivar. Trata-se de uma ferramenta utilizada por vários países do mundo.
O professor do Instituto de Economia da Unicamp Francisco Lopreato esclarece que o uso de benefícios fiscais não é uma novidade no Brasil, já que a prática é utilizada desde os governos da ditadura civil-militar (1964-1985) para incentivar a indústria nacional. Lopreato, entretanto, esclarece que a MP de Temer é diferente:
"O uso desses incentivos fiscais com o setor petroleiro não tem nada a ver com a indústria nacional. Não tem nada a ver com uma proposta de alavancagem do setor industrial como uma forma de expandir o crescimento industrial e do país. Pelo contrário, os incentivos fiscais vão reduzir a atividade do setor industrial brasileiro porque favorecem a importação de vários produtos, não só os sofisticados como também os mais simples", afirmou Lopreato em entrevista exclusiva à Sputnik Brasil.
Como fica a indústria nacional?
Outro ponto alterado por Temer é a suspensão de impostos para importação de equipamentos utilizados pelas petroleiras para a exploração de petróleo em solo nacional.
As empresas estrangeiras vão deixar de pagar imposto de importação, IPI, PIS-importação e COFINS-importação para os equipamentos utilizados na exploração de petróleo. Caso eles não sejam utilizados dentro de quatro anos, a cobrança será feita com juros.
Até mesmo produtos de baixo valor agregado, como materiais de embalagem, terão isenção de impostos.
A medida recebeu críticas da Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos (Abimaq):
"O setor já está praticamente sem serviço, devido à falta de encomendas e à redução dos investimentos da Petrobras. Então, a tendência é que sucumba caso equipamentos que têm similar nacional possam ser importados sem impostos", afirmou o presidente da ABIMAQ, José Velloso, em entrevista à Folha de Pernambuco. 
Luiz Pinguelli Rosa, professor de planejamento energético da UFRJ, também não concorda com a isenção de impostos. Para ele, a isenção deveria atingir equipamentos específicos e não ser ampla da maneira como está desenhada atualmente.
"[A nova regra] impede que os recursos de produção de recursos sejam internalizados, novamente atendendo aos interesses das empresas estrangeiras. São atividades industriais que não vão ser mais feitas no Brasil, mas sim em outros países. É uma atuação totalmente contrária aos interesses brasileiros", afirmou o professor da UFRJ em entrevista exclusiva à Sputnik Brasil.
Já o professor do Instituto de Economia da Unicamp Francisco Lopreato acredita que Temer desempenha uma "não política industrial".