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O “Encouraçado Potemkin”

O que foi: O couraçado Potemkin (em russo: Потëмкин, Patiômkin, nome completo Князь Потëмкин Таврический, Kniáz' Patiômkin Tavritchéski, literalmente "Príncipe Potemkin de Táurida) foi um navio de guerra da Frota do Mar Negro da Rússia. Foi construído nos estaleiros de Nikolayev em 1898 e entrou ao serviço em 1904. Foi baptizado em homenagem a Grigori Alexandrovich Potemkin, um militar do século XVIII.

Este navio tornou-se famoso devido à revolta que ocorreu a Junho de 1905 pela sua tripulação, devido às más condições em que operavam, em plena Revolução de 1905 em Odessa, cidade portuária no Mar Negro, situada na Ucrânia, na época, parte do império tzarista russo.


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O ENCOURAÇADO POTEMIN E GUERRA DE CANUDOS:
A HISTÓRIA NO CINEMA

Por Fabio Gomes - Fonte: Jornalismo Cultural

A intenção deste texto é analisar a forma como os filmes O Encouraçado Potemkin, de Sergei Eisenstein (URSS, 1925) e Guerra de Canudos, de Sérgio Rezende (Brasil, 1997) abordaram os fatos históricos que foram seu ponto de partida.

Em Potemkin, Eisenstein nos fala da Revolução de 1905 na Rússia, através da revolta dos tripulantes de um navio (que dá título ao filme) contra a comida podre que lhes era servida. O líder da revolta é morto e levado a Odessa para ser sepultado. A chegada do navio à cidade faz o povo apoiar os revoltosos, havendo confronto entre soldados e população.

Canudos mostra a luta do Exército brasileiro contra uma comunidade messiânica do sertão da Bahia no final do século 19, por meio da história de uma família que se divide por divergências em relação ao líder da comunidade, Antônio Conselheiro. O sentimento de lealdade ao líder faz Canudos resistir a várias expedições militares até o aniquilamento completo.

Fidelidade dos roteiros em relação à História

Acredito que é exagerado o uso do termo "Revolução" para os acontecimentos ocorridos na Rússia em 1905, "revolta" ficaria melhor. Após a derrota do país na guerra contra o Japão pela posse da Mandchúria, o povo russo se levantou contra o czar Nicolau II, forçando-o a aceitar a limitação de seus poderes com a criação da Duma, assembléia legislativa com membros eleitos pelo povo. Uma vitória importante, com certeza, mas esvaziada porque a Duma jamais teve condições de funcionar como um parlamento de país democrático enquanto durou o czarismo. Nada disso, porém, aparece em Potemkin. O espectador que não tenha esse conhecimento prévio pode ser levado a crer que tudo aconteceu por causa de um quarto de boi podre. Também não é citada a conseqüência política da, vá lá, Revolução, a criação da Duma. Isto, claro, não invalida o filme, mas este com certeza ficaria enriquecido com mais um ou dois letreiros que esclarecessem isso. Até causa estranheza a ausência dessa contextualização, quando se tem em mente que Potenkin foi uma encomenda do governo da União Soviética para comemorar os 20 anos do movimento.

Em Canudos, o espectador também fica sem saber os antecedentes. Rezende não explica a origem do Conselheiro, e apenas uma fala e alguns letreiros bem no início abordam suas três décadas de pregação pelo Nordeste antes de escolher Canudos para sediar sua comunidade de fiéis. No filme, porém, vemos Conselheiro apenas como um líder religioso, cabendo o comando civil e militar do arraial a um "estado-maior" (Vilanova, João Abade, Pajeú e Beatinho), em desacordo com o narrado no livro de Euclides da Cunha, Os Sertões, que ressalta que o comando de tudo era do Conselheiro. As expedições militares contra Canudos estão bem realizadas, com impecável reconstituição de época. Rezende resolveu o que seria a maior dificuldade narrativa - como apresentar a vida no interior do arraial? - criando uma família, os Lucena, que se divide logo no começo da ação, porque uma das filhas, Luísa, foge, por não confiar nas promessas de salvação do Conselheiro. É uma solução interessante, pois as informações sobre o dia-a-dia em Canudos são escassas, as fontes principais são os relatos dos militares e o de Euclides da Cunha. Por conta da família fictíca, porém, acaba ocorrendo um arranhão na fidelidade histórica do final. Euclides conta que apenas três homens e um menino sobreviveram ao massacre; no filme, além da protagonista Luísa, o diretor poupou a vida de sua irmã Tereza, que vivia no arraial.

Eisenstein não chega a empregar ficção em Potemkin; o que fez foi concentrar na seqüência da escadaria de Odessa eventos revolucionários que se deram ao longo do ano de 1905 em várias cidades russas. Mas a lona cobrindo os amotinados a bordo do navio, por exemplo, nunca teria existido, de acordo com Georges Sadoul (Dicionário de Filmes, L&PM, 1993). Não posso, porém, deixar de assinalar o anacrônico uso da expressão bolchevique para qualificar o marinheiro Vakulintchuk. O termo só passou a ser empregado em 1914 para designar a facção com maior número de integrantes do Partido Comunista. Como o governo de 1925 e o próprio diretor eram bolcheviques, é provável que a expressão se destinasse a mostrar que o líder da revolta de 20 anos antes era alguém que compartilhava das mesmas idéias que vieram a derrotar definitivamente em 1917 o czarismo. Isto, e mais a grandeza do funeral, sugerem a elevação de Vakulintchuk à condição de mártir.

Semelhanças e diferenças

Não considerando os prenomes dos diretores (Sergei e Sérgio), o que há de diferente ou de semelhante entre Potemkin e Canudos?

Basicamente, ambos os filmes falam da mesma coisa: o povo unido lutando por uma vida melhor, desafiando a ordem estabelecida e enfrentando as forças da repressão.

O lugar que esse povo ocupa na narrativa é diferente, porém. Em Potemkin, o povo é o personagem principal. O espectador jamais perde de vista os marinheiros revoltados ou a população que os apóia. Algumas pessoas se destacam do conjunto (Vakulintchuk, a mãe que sobe a escadaria com o filho morto), mas nunca por muito tempo. Já em Canudos, o povo, embora também importante, nem sempre é o protagonista. Isto se dá mais na primeira parte, quando Rezende mostra o final da peregrinação do Conselheiro e o estabelecimento do arraial. Dali em diante, a narrativa centra-se na família Lucena e nas expedições militares.

Essa diferença do papel reservado ao povo na trama é fundamental para o caráter de cada filme. Potemkin apóia abertamente os revoltosos, o que não se dá com Canudos. Este tem o mérito de, sem tomar partido de forma explícita, apresentar os sertanejos como uma comunidade que se bastava economicamente e que apenas queria viver de acordo com suas convicções religiosas - de modo sutil, Rezende nos aponta o massacre como absurdo.

A interação desejada com o povo em cada filme também produziu as diferenças dos funerais exibidos. O do marinheiro é grandioso, pois era do interesse dos revoltosos que a população soubesse que o líder fora morto por oficiais do imério. Já o do Conselheiro é discreto, porque o "estado-maior" não queria que as forças republicanas soubessem de sua morte; a notícia, se espalhada pelo arraial, também poderia tirar o ímpeto dos sertanejos para o combate. Aliás, uma das poucas falhas do filme é não ter resolvido bem a cena da morte do Conselheiro: em uma cena, ele despede os fiéis, querendo ficar só; mais adiante, toma um livro; em outra cena, aparece sem vida (o espectador fica com uma sugestão de suicídio).

Como semelhanças, aponto duas, uma narrativa, outra visual. A narrativa: Potemkin inicia com a discussão em tonro da carne de boi podre. Canudos abre com as vacas da família Lucena, que já as "apalavrara" num negócio, sendo levadas pelos soldados. A visual: perto ao final de cada filme, um canhão se destaca; na fita russa, é o canhão do navio que destrói portais, durante a cena da escadaria; no filme brasileiro, o potente canhão do Exército conhecido como a matadeira derruba a igreja do arraial e inicia a seqüência da destruição total de Canudos.


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