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Programa espacial fora de órbita

Jornal do Brasil

O tratado binacional entre Brasil e Ucrânia para lançamento de foguetes em território nacional e o próprio programa espacial brasileiro estão no centro de uma querela judicial pela titularidade de terras no norte do Maranhão, travada entre governo federal e quilombolas residentes no estado.

A disputa pela área em torno do centro de lançamento de foguetes em Alcântara (MA) paralisou desde fevereiro a construção da base de lançamento da empresa Alcântara Cyclone Space, resultante do acordo entre os governos brasileiro e ucraniano sobre projeto de lançamento de foguetes.

E praticamente inviabilizou qualquer projeto de expansão do programa espacial brasileiro, afirmam especialistas.

Foco da discórdia entre governo e quilombolas, a península onde se localiza Alcântara é, geograficamente, um dos pontos mais perfeitos no mundo para o lançamento de foguetes e satélites geo-estacionários, um mercado bilionário cobiçado pelo governo brasileiro desde o início da década de 1980, quando o governo militar iniciou as incursões sobre a área já planejando a construção de uma base espacial brasileira.

Mas a região é, também, lar de cerca de 50 quilombos seculares que pleiteiam a titularidade do terreno. Duas dessas comunidades, Mamuna e Baracatatiua, entraram na Justiça Federal do estado com ação cautelar pedindo a interrupção das obras de construção da base de lançamento da Alcântara Cyclone Space (ACS), parte brasileira no tratado firmado com a Ucrânia encarregada da construção do foguete lançado no vôo de teste prometido pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva para acontecer em 2010.

– As primeiras comunidades foram retiradas do local no início dos anos 80, com grande violência – conta a advogada da ONG Justiça Global, Luciana Garcia, que presta assessoria jurídica aos quilombolas de Alcântara. Segundo ela, o processo formal pelo reconhecimento da área como território quilombola se arrasta há nove anos.

– Acima de qualquer coisa, as comunidades querem a titularidade do solo, mas isso não exclui a necessidade de indenizações sobre os danos causados aos quilombos. O assunto ainda não foi discutido porque a prioridade é a posse do solo.

Com a decisão da Justiça favorável aos quilombos, a ACS foi obrigada a abandonar os trabalhos na área de 1.3 mil hectares reclamada pelos quilombolas e teve que se contentar com um espaço de 450 hectares dentro do Centro de Lançamento de Alcântara, pertencente à Aeronáutica.

Com isso, o potencial de lançamento de foguetes do projeto cai de 10 para apenas seis por ano. Como cada lançamento rende algo como US$ 50 milhões, a queda na receita da binacional é estimada em US$ 200 milhões por ano, só por conta da mudança.

Com o cronograma atrasado em um ano, o lado brasileiro da empreitada começa do zero, no próximo mês, a construção da sua base dentro do Centro de Lançamento de Alcântara. Enquanto isso, a montagem do foguete Cyclone 4, na parte ucraniana do acordo, segue andamento normal.

Entraves ambientais

Apesar dos contratempos, o presidente da ACS, Roberto Amaral, afirma que a base estará pronta em 2010, a tempo de cumprir o acordo firmado com o governo ucraniano, aprovado em 2003.

– O projeto da empresa não foi inviabilizado com a decisão que favoreceu os quilombos – diz Amaral, ex-ministro de Ciência e Tecnologia. – Saímos porque era melhor a alternativa do Centro de Lançamento da Aeronáutica do que transformar a região em uma espécie de Gaza.

Amaral admite, contudo, a possibilidade de novos atrasos nas obras, sobretudo pela demora na conclusão do licenciamento ambiental prévio da nova área da base de lançamento e da dificuldade no relacionamento da empresa com as comunidades instaladas ao redor do terreno da Aeronáutica.

A ACS estuda entrar com ação cautelar contra o Ibama para acelerar o processo de licenciamento das obras dentro do Centro de Lançamento de Alcântara.

“Centro espacial faleceu”, diz Amaral

Além do projeto conjunto entre Brasil e Ucrânia, o desenrolar da guerra judicial pela titularidade das terras em Alcântara comprometeu a possibilidade de novos acordos entre o governo brasileiro e outros países pela construção de outras bases de lançamento na região, reconhecida pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) como de propriedade dos quilombos.

Apenas a área do Centro de Lançamento de Alcântara (CLA) e o próprio município não pertencem às comunidades quilombolas, no entendimento do órgão. As três áreas fora do Centro de Lançamento, reservadas pelo governo para futuros acordos binacionais, estão em território de quilombos.

– Com isso, o projeto do governo por um centro espacial brasileiro faleceu – sentencia o presidene da binacional Alcântara Cyclone Space, Roberto Amaral.

– Não há mais como instalar nada de novo na península para o lançamento de foguetes. Fora do CLA, o ponto de lançamento está perdido.

Perda de competitividade

Os problemas em torno do acordo binacional não param aí.

O projeto de construção de um porto próximo à base de lançamento, necessário para o recebimento de foguetes e satélites, foi cancelado porque a área prevista para o porto foi apontada como de “forte possibilidade de assoreamento” em estudos técnicos.

Dessa forma, o foguete ucraniano deverá chegar pelo porto de Itaqui, em São Luis, a 53 km de Alcântara. De Itaqui, ele deve seguir por ferry boat até o terminal de Cujupe, de onde deve percorrer outros 50 km até a base, dentro do CLA, pela rodovia MA-106 – que terá de ser repavimentada para o trajeto.

A operação só será viável para o primeiro lançamento, não-comercial.

– Nesse formato, o Brasil perde competitividade para participar de concorrências internacionais – observa Amaral.