De origem militar, sistema 'caça-tiros' desembarca no país

André Borges - Valor Econômico

No mês passado, numa tarde de domingo, o menino William Moreira da Silva, de 11 anos, empinava pipa em uma fábrica em Barros Filho, na zona norte do Rio de Janeiro, quando foi atingido por uma bala perdida. Algumas testemunhas disseram que o tiro partiu de policiais militares que costumam fazer ronda na região. A PM negou as acusações e informou que não tinha feito nenhuma operação por ali. Suspeita-se também que seguranças da fábrica possam ter trocado tiros com traficantes de drogas. William chegou a ser socorrido, mas não resistiu. O caso segue sob investigação.

Episódios de violência como esse, em que a identificação do culpado pelo homicídio é uma tarefa difícil, já levou a polícia de diversas cidades dos Estados Unidos a adotar uma tecnologia de uso militar para encontrar os culpados e, em muitas ocasiões, salvar vidas.

O chamado "sistema de detecção de disparos de armas de fogo" é uma invenção da americana ShotSpotter, empresa do Vale do Silício, na Califórnia. A companhia, que até agora só atuava nos EUA, acaba de montar um escritório no Rio. O plano é inaugurar mais duas instalações em breve, em São Paulo e Belo Horizonte.

A tecnologia da ShotSpotter funciona como um "caça-tiros". A empresa instala sensores de áudio no topo de prédios de grandes áreas urbanas. Esses sensores se comunicam por meio de um sistema acústico desenvolvido pela empresa e fazem a varredura da região. Tudo está integrado a um sistema de mapeamento via GPS. Se o disparo de uma arma de fogo ocorre no perímetro coberto pela tecnologia - cada sensor alcança um raio de dois quilômetros, em média - o sistema acústico detecta automaticamente o som e, em no máximo nove segundos, exibe um mapa com a indicação precisa do local onde aquele tiro foi dado. O alerta pode ser configurado para chegar a centrais da polícia, redes de emergência ou uma viatura que esteja mais próxima do local.

Fundada há 15 anos por três cientistas, a ShotSpotter já instalou seus sensores em 45 cidades dos EUA, entre elas Los Angeles, Washington, Chicago, Boston e San Francisco. A precisão da informação e a agilidade no tempo de resposta, diz James Beldock, presidente e executivo-chefe da ShotSpotter, se tornaram ferramentas cruciais nas mãos dos policiais. Beldock, que esteve em São Paulo nesta semana, falou com exclusividade ao Valor.

"Nos EUA, quando um tiro é disparado, apenas 20% dos casos são informados ao [serviço de emergência] 911", comenta. "Isso significa que, em 80% dos casos, ninguém é informado em tempo hábil de fazer alguma coisa."

Nos últimos quatro anos, diz Beldock, as cidades americanas que adotaram o sistema conseguiram salvar a vida de 220 pessoas que foram baleadas porque a polícia e o serviço médico chegaram rapidamente aos locais do crime.

O desenvolvimento da tecnologia, segundo o executivo, custou US$ 35 milhões aos investidores da ShotSpotter, um grupo de empresas de capital de risco. Um dos aperfeiçoamentos permite ao sistema distinguir o som de um tiro - ou vários - daquele emitido por rojões e outros fogos de artifício. "Também passamos oito meses trabalhando em uma assinatura acústica para fazer com que o sistema não confundisse o som de uma metralhadora com o de um helicóptero", comenta Beldock. "Uma pessoa percebe a diferença facilmente, mas ensinar isso a um computador não é algo tão simples, o registro do som é muito parecido."

Além de acelerar o socorro a vítimas e aumentar a possibilidade de prender o autor do disparo, o sistema tem ajudado a diminuir o número de homicídios nos EUA, diz o executivo. "Ao ter uma visão detalhada das ocorrências, é possível direcionar esforços com mais precisão. Isso é fundamental para a polícia gastar energia e tempo com o que realmente é crítico."

A ShotSpotter ainda não tem contrato fechado no Brasil, mas as negociações estão adiantadas com o governo do Rio, afirma Roberto Motta, diretor da ShotSpotter no país. Uma comitiva do Estado esteve nos EUA para ver a tecnologia de perto e já existe um projeto desenhado que cobriria a região da Tijuca. A previsão é de que o primeiro contrato no Brasil seja assinado nas próximas semanas, diz Motta.

O plano, segundo Beldock, é investir entre US$ 10 milhões e US$ 15 milhões em ações de venda e marketing no país nos próximos três anos. A empresa também está escolhendo integradores de sistemas e um fabricante local para os equipamentos. A produção consumirá mais US$ 4 milhões. "Vamos produzir no Brasil e, a partir daqui, exportar para a América Latina."

A meta é espalhar seus sensores em uma área total de 500 quilômetros quadrados em todo o país, nos próximos cinco anos, o que geraria uma receita de aproximadamente US$ 400 milhões.

Nos EUA, a ShotSpotter é concorrente direta da também americana BBN Technologies. No mês passado, a BBN fechou um contrato de US$ 74 milhões com o o exército americano para entregar 8,1 mil detectores portáteis. O equipamento, conhecido como "Boomerang", deverá ser usado nos conflitos dos EUA com o Oriente Médio.