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O Chefe do Observatório Naval queria expandir ‘plantations’ em área brasileira.
Revelação está em livro de Gerald Horne, que falou ao G1 sobre o caso.

Daniel Buarque

Do G1, em São Paulo

Pesquisadores norte-americanos costumam chamar de paranoia a preocupação que os brasileiros têm com a ideia de intervenção dos Estados Unidos na Amazônia. Por mais que atualmente não haja nenhum indício real deste tipo de interesse na região da floresta tropical no Brasil, a história revela pelo menos um momento, no século XIX, em que políticos dos EUA discutiram a ideia de ocupar o território no norte do Brasil.

Foi em 1850, quando o chefe do Observatório Naval dos Estados Unidos, Matthew Fontaine Maury, sugeriu que seu país evitasse a Guerra Civil e continuasse expandindo sua produção de algodão com mão de obra escrava levando toda a estrutura, incluindo os escravos africanos, para a região da Amazônia brasileira. A revelação é parte do livro “O sul mais distante” (Cia. Das Letras), escrito pelo pesquisador de escravidão nas Américas Gerald Horne, professor da Universidade de Houston, no Texas. Segundo ele, Maury era interessado em deportar escravos norte-americanos para desenvolver a região com um plano de “tomar a Amazônia do Brasil”.

Em entrevista ao G1, Horne explicou que este plano de “invadir a Amazônia” surgiu no contexto da consolidação dos Estados Unidos como uma potência violenta, que fazia da conquista territorial seu destino manifesto, então “não é uma surpresa” que cobiçassem também a Amazônia. O projeto de incorporar a floresta, disse, ganhou força especialmente no Estado da Virgínia, que era o centro do poder político dos Estados Unidos na época e onde Maury continua a ser visto como um herói até hoje.

Ele comentou que, por mais que o país continue se envolvendo em guerras pelo mundo, a situação mudou e nenhuma ação do tipo é sequer cogitada pelos americanos. “Hoje, não é necessário nem dizer, não há possibilidade desse tipo de intervenção. Especialmente por conta da ascensão do Brasil, que está desafiando a liderança americana na América Latina. O Brasil é mais forte, o mundo mudou”, disse Horne ao G1.

Separação e anexação
Maury costuma ser citado como tendo sugerido que os políticos americanos deveriam forçar o Brasil a permitir a livre navegação de barcos americanos na Amazônia porque o Rio Amazonas era “uma extensão” do rio Mississippi.

Em “O sul mais distante”, livro de 2007 que acaba de ser publicado no Brasil, Horne explica que as relações entre Brasil e Estados Unidos americana foram muito intensas por conta da escravidão nos dois países. A proximidade diminuiu com a Guerra Civil, iniciada uma década depois do plano de Maury de transferir as plantações para a Amazônia.

Segundo Horne, os escravistas mais radicais do sul norte-americano defendiam fortemente a separação do país e “colocavam o Brasil próximo ao centro do seu sonho de um império transcontinental de escravidão, particularmente nos anos 1850, quando parecia que a escravidão encontrava um bloqueio em sua expansão para o Oeste”. Para eles, o futuro estava em um império “unido com o Brasil”.

Maury via a Amazônia como “válvula de segurança da União” e planejava deportar os escravos africanos dos Estados Unidos junto com seus proprietários para a região ainda não desenvolvida. “É mais fácil e mais rápido’, argumentou Maury, ‘para navios da Amazônia fazerem a viagem a Nova York de que ao Rio’”.

Segundo Horne, a proposta de Maury foi vista como provocativa e discutida no Brasil, o que fez com que o então secretário de Estado dos Estados Unidos, William Marcy, respondesse de forma superficial garantindo ao Brasil que não precisava levar a sério os argumentos de Maury. O pesquisador da Universidade de Houston, entretanto, diz que Maury gerou um forte interesse norte-americano em dominar a região amazônica, fazendo com que milhares de norte-americanos viajassem o Brasil investigando o país e analisando a possibilidade de se apropriar do território da floresta.

Em outras ocasiões no final dos anos 1850 e mesmo durante a Guerra Civil, em 1862, um comitê da Câmara de Deputados dos Estados Unidos chegou a considerar a possibilidade de deportar os negros para a Amazônia, o que foi ponderado pelo governo brasileiro e negado por a lei brasileira “não admitir negros livres em seu território”. O Brasil, diz Horne, teve um papel importante na mente de líderes do sul escravista dos Estados Unidos, que foi apoiado pelo governo brasileiro, servindo até mesmo como refúgio quando a Guerra Civil terminou com vitória do Norte do país.