É necessário reequipar a Força Aérea, mas os caças franceses Rafale são caríssimos e foram projetados para guerras na Europa, com distâncias curtas. No último mês, François Fillon, primeiro-ministro da França, veio ao Brasil com uma dupla missão: cabalar votos (cerca de 30 mil franceses moram aqui) e vender 36 caças Rafale.

Se conseguiu votos, ninguém saberá. Quanto ao Rafale, logrou apenas a polida desculpa do ex-chanceler Celso Amorim: incertezas do momento econômico-financeiro impõem parcimônia. Afinal, os Rafale nos custariam entre US$ 4 bilhões e US$ 8 bilhões, sem contar a manutenção futura.

É verdade que precisamos reequipar a Força Aérea Brasileira, e logo. A Venezuela detém poder teórico de, em menos de uma semana, destruir no ar ou no chão todos os obsoletos aviões da FAB. Como protegê-la dos Sukhoi SU-30 venezuelanos (que indiretamente, aliás, ajudamos Chávez a pagar)?

O Rafale é caríssimo. Além disso, ele foi projetado para guerras na Europa, onde a distância de Paris a Moscou é menor que a de São Paulo a Recife.

Não seria o caso de o Brasil combinar uma esquadrilha de Gripen NG, mais adequados ao policiamento de fronteiras e do espaço aéreo contra a guerrilha e o tráfico, com outra de Boeing F/A-18, para um xeque nos Sukhoi venezuelanos?

E há mais: nos dois anos decorridos desde que estouvadamente o ex-presidente Lula deu o negócio como fechado, muita coisa mudou na visão dos estrategistas e no mercado aeroespacial. Por exemplo: a crescente importância dos “drones” (aviões sem piloto). Como escalonar tão complexas prioridades sem desatinos financeiros?

Já para Nicolas Sarkozy, ameaçado de sequer passar ao segundo turno das eleições de abril-maio, o mais importante poderio do Rafale é eleitoral. As aflições do presidente francês são outras:

1) os Emirados Árabes desistiram do Rafale (60 aparelhos);

2) a Suíça preferiu comprar 22 Saab Gripen, em vez de 12 Rafale (quatro países já compraram o caça sueco; em 11 anos, apenas a própria França comprou Rafale);

3) a confiança internacional na capacidade de a França honrar as suas contas continua ameaçada de rebaixamento;

4) a maioria dos franceses reprova o plano franco-alemão de salvação do euro;

5) em alta, o número de desempregados na França ultrapassou 3 milhões em novembro;

6) está cada vez mais difícil dissimular o avanço da calvície.

Serge Dassault, um dos cem homens mais ricos do mundo, fabricante do Rafale, amigo e patrocinador de Sarkozy, poderia empregar indiretamente 300 mil pessoas. Mas, afora reveses do Rafale, Dassault acaba de amargar o abortamento de um projeto franco-israelense de produção do “drone” Héron TP. A sua última esperança é vender 126 caças Rafale à Índia, país que precisa exibir muque nas fronteiras com China e Paquistão, seus rivais atômicos.

O Brasil não tem pressa alguma de prestar socorro eleitoral a Sarkozy. A antropologia social registra que a Bulgária é o único país do mundo onde acenar com a cabeça significa “não”, e abaná-la significa “sim”. Ninguém sabe se a presidente já justificou como atavismo búlgaro algum mal-entendido desses em sua vida pública ou particular. Mas ambiguidades são essenciais na diplomacia e na política -sim ou não.

Fonte: Folha de São Paulo, Aldo Pereira - Via CAVOK