As dificuldades financeiras que atravessa a economia espanhola, com uma taxa de desemprego que se aproxima dos 25% já tinham causado mossa na instituição militar, mas agora a crise toca num dos mais importantes símbolos da «ofensiva atlântica» do ditador espanhol Francisco Franco, o porta-aviões Principe de Asturias.

Origens da arma aeronaval espanhola

O Principe de Asturias não foi o primeiro porta-aviões espanhol. Na realidade o primeiro navio do tipo foi cedido pela marinha dos Estados Unidos no final dos anos 60, ainda Francisco Franco chefiava os destinos de Espanha.


Depois da guerra civil em que Franco alinhara fortemente ao lado da Alemanha nazi e em que altas individualidades diretamente ligadas ao movimento nazista espanhol estavam no poder, a Espanha foi-se desviando da linha hitleriana, quando as coisas começaram a correr mal, especialmente na frente leste a partir do fim de 1942.

Mas quando a II guerra terminou, Francisco Franco ainda não tinha conseguido libertar-se da aura de aliado dos nazistas alemães.
França, Estados Unidos e Grã Bretanha, nem sequer tinham embaixador em Madrid, estando as representações reduzidas a um encarregado de negócios.

Com o brutal problema econômico que afundou a Espanha em uma crise sem precedentes, o Ministro da Defesa do país comunicou que provavelmente o porta-aviões "Príncipe de Astúrias" não terá como ser mantido na ativa pela Marinha. A ideia seria colocar o porta-aviões para "hibernar" (preparando seus sistemas e retirando tudo que possa causar danos enquanto o navio estiver parado), ou mesmo dar baixa do navio aeródromo. No final de sua vida útil, o "Príncipe de Astúrias" poderia receber uma ampla modernização, mas os custos são absolutamente proibitivos. Os compromissos que a Espanha teria assumido, em auxílio à guerra do Afeganistão, talvez não poderão ser mantidos também, simplesmente porque não há dinheiro. Cortes estão sendo feitos em diversos projetos, civis e militares, por todo o país. Isso poderá acabar com a capacidade espanhola de projetar-se estrategicamente (texto do VaeVictis).

Desde 1953 até 1959, Franco vai iniciar uma política de aproximação aos Estados Unidos, rompendo com o tradicional alinhamento continental da Espanha.
O fim do isolamento espanhol começa em 1953, com a assinatura de um pacto de cooperação militar com os Estados Unidos e o processo termina em Dezembro de 1959 com a visita a Espanha do presidente norte-americano D.Eisenhower.

Marinha espanhola: uma criação americana


A ligação com os Estados Unidos entretanto estabelecida, o acesso ao programa MDAP [1] e a opção do ditador espanhol pelo atlântico, vai repercutir-se especialmente na marinha espanhola, que passa a receber um fortíssimo apoio norte-americano. Praticamente todos os principais navios da marinha do país serão de conceção norte-americana.


O plano naval espanhol de 1945, tinha resultado num rotundo fracasso por causa da debilidade da economia mas com o inicio do auxilio norte-americano a arma conseguiu os recursos que necessitava para se expandir. A marinha espanhola, que em 1945 contava com 26,000 homens, rapidamente aumentou os seus efetivos para 42,000 em 1963.


Novos navios


A marinha da Espanha, que curiosamente tinha visto o seu ponto mais baixo, com a sua destruição às mãos da marinha americana, nasce assim das cinzas.

A retirada de serviço das centenas de contra-torpedeiros da marinha norte-americana, facilita o processo e cinco contra-torpedeiros e doze draga-minas são incorporados. Os americanos também financiam a modernização de trinta navios espanhóis, com novos sistemas de armas.

De todos os navios recebidos pela marinha espanhola, o mais icónico de todos é sem dúvida o antigo porta-aviões ligeiro «Cabbot» (classe Independence) que foi transferido para a marinha da Espanha em 1967, numa altura em que a Espanha também estava a construir nos seus estaleiros cinco fragatas da classe americana Knox.


O Cabbot foi rebatizado Dedalo e foi o primeiro porta-aviões espanhol. Os planos previam um segundo porta-aviões e a marinha de Franco deveria operar dois destes navios. Chegou a ser considerada a aquisição do CVE-90 Thetis Bay (um porta-aviões de escolta da classe Casablanca).


Controlo do atlântico


Os navios porta-aviões espanhóis, destinavam-se a afirmar a capacidade militiar da Espanha em termos oceânicos. O papel de polícia das áreas contiguas ao continente europeu na parte sul do Atlântico-Norte, foi concedida à marinha da Espanha durante os anos 60, quando se tornou evidente que os portugueses não teriam capacidade para desempenhar essa função especialmente por causa da guerra em África.


Os espanhóis utilizaram o navio como porta-helicópteros entre 1967 e 1973, altura em que foi colocada uma encomenda nos Estados Unidos para o fornecimento de jatos Harrier de descolagem vertical, que seriam entregues a partir de 1976.


Já o segundo porta-aviões espanhol voltou à tona, resultado de um plano de 1975, ainda com Franco vivo, deveria ser de um projeto novo e seria construido em estaleiros espanhóis. Como a industria do país não tinha capacidade para desenvolver os projetos de navios relativamente complicados, foi decidido fazer adaptações no projeto de navio de controlo marítimo que tinha sido apresentado pelo almirante Zumwalt.


Com a morte de Franco em 1975 e com o avolumar da crise económica dos anos 70, rapidamente ficou claro que a Espanha não teria como suportar dois navios do tipo, o que levou a que apenas um porta-aviões fosse considerado. Esse navio, na origem resultado dos planos do governo franquista, seria o Principe de Asturias.


Porta-aviões Principe de Asturias


A construção do PdA como também é conhecido, prolongou-se por um longo periodo e demonstrou a total dependência da marinha da Espanha relativamente aos Estados Unidos.

A construção do navio foi também afetada pela chegada ao poder do Partido Socialista de Felipe Gonzalez, que era contrário à entrada da Espanha na NATO.
Na altura essa entrada era vista como vantajosa pelos Estados Unidos. Por essa razão chegou a estar suspenso o fornecimento de componentes e planos para a construção do Principe de Asturias.
Só quando os socialistas espanhóis finalmente aceitaram a entrada na NATO, é que o porta-aviões foi concluido.

Quando entrou ao serviço por volta de 1988, a União Soviética estava já à beira do colapso e com o desaparecimento do perigo soviético nos mares, a função do porta-aviões espanhol foi parcialmente alterada.


Ele continuou a ser um símbolo de capacidade naval da Espanha, demonstrando que o país tem capacidade para controlar a área sul do Atlântico-Norte e as águas da Zona Economia Exclusiva de Portugal, que a Espanha considera tradicionalmente como parte da sua zona de influência.


A função que restou ao PdA acabou sendo a de reforço da capacidade aeronaval perante a possibilidade de levantes de extremistas islâmicos no norte de África, especialmente em Marrocos.

No entanto, a proximidade dos enclaves espanhóis de Ceuta e Melilla do continente e a dimensão da rede de aeroportos nas Canárias, tornam o navio redundante.

A crise força a Espanha a colocar o navio numa situação de reserva, de onde provavelmente não voltará a sair.

A marinha da Espanha conta no entanto com um trunfo, representado pelo novo navio logístico «Juan Carlos I». Não sendo um porta-aviões aquele navio tem uma coberta com capacidade para operar aeronaves de descolagem vertical.
Por esta razão, ainda que o PdA seja retirado de serviço a marinha espanhola continuará a deter alguma capacidade enquanto mantiver as aeronaves Harrier.

Se a situação melhorar, é possível que a marinha da Espanha ainda possa sonhar com uma unidade naval para substituir o Principe de Asturias (os estaleiros Navantia dependem das encomendas militares). Até lá a marinha da Espanha, parente pobre num país em que os militares têm uma visão «continental» da Europa, deverá tentar o seu melhor para manter a capacidade aeronaval derivada dos sonhos de grandeza do ditador Francisco Franco.
 
[1] – MDAP - Mutual Defense Assistance Program, um programa de ajuda aos países europeus que permitiu a criação de forças armadas europeias com alguma capacidade militar. O programa foi um dos pilares da criação da NATO.