Uma liga de magnésio com estrutura em escala nanométrica (da bilionésima
parte do metro) capaz de absorver e aprisionar hidrogênio de forma
segura, liberando-o somente quando aquecida. E uma liga metálica que
possui maior resistência à corrosão e ao desgaste do que os metais
convencionais.
Exemplos de novos materiais como esses, com aplicações em áreas tão
diversas como petróleo, energia e biomedicina, estão sendo desenvolvidos
e caracterizados por pesquisadores da Universidade Federal de São
Carlos (UFSCar).
Possibilidades de desenvolvimento dessa nova classe de ligas
metálicas, que englobam as ligas amorfas, metaestáveis e
nanoestruturadas, foram apresentadas na First São Carlos School of
Advanced Studies in Materials Science and Engineering (SanCAS-MSE) -
Primeira Escola São Carlos de Estudos Avançados em Engenharia e Ciências
dos Materiais, realizada entre os dias 25 e 31 de março.
Realizado no âmbito da Escola São Paulo de Ciência Avançada
(ESPCA), modalidade de apoio da FAPESP, o evento foi organizado pelo
Departamento de Engenharia e Ciências dos Materiais (DEMa) da
Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), sob a coordenação dos
professores Edgar Zanotto, Elias Hage Junior e Walter José Botta Filho.
Por meio de um Projeto Temático, realizado com apoio da
FAPESP, os pesquisadores do DEMa começaram a desenvolver e a
caracterizar nos últimos anos ligas metálicas com melhores propriedades
mecânicas do que os metais convencionais, conferidas pelo processo de
resfriamento a que são submetidas.
Ao serem resfriadas rapidamente em sua fase líquida, na faixa
de 1 milhão de graus por segundo, os átomos que compõem a estrutura
dessas ligas não têm tempo de se rearranjar de maneira ordenada e formar
uma estrutura cristalina de pequenos aglomerados de átomos, como a dos
metais convencionais. Em função disso, em estado sólido essas novas
ligas retêm a mesma estrutura desordenada dos átomos em estado líquido
(amorfo).
Por terem sido resfriadas rapidamente, as ligas metálicas
amorfas também permanecem em uma condição de metaestabilidade - em que
não estão na condição energética mais estável para elas.
Dessa forma, além de apresentar uma série de propriedades
diferenciadas dos materiais convencionais, como maior resistência,
quando voltam à sua condição de equilíbrio também podem resultar em
novas microestruturas, formando, por exemplo, grãos cristalinos na
escala nanométrica.
“Essa condição amorfa confere propriedades muito
interessantes ao metal, que são muito próximas às de um vidro. Ele se
torna frágil, mas ao mesmo tempo também passa a ter uma resistência
extremamente elevada”, disse Botta Filho, coordenador do projeto, à
Agência FAPESP.
De acordo com ele, uma das aplicações dessas novas ligas
metálicas nanoestruturadas é na armazenagem sólida de hidrogênio. Os
pesquisadores estão desenvolvendo no âmbito do projeto protótipos de
tanques de armazenagem de hidrogênio, compostos por ligas de magnésio
nanoestruturadas, que são capazes de aprisionar o gás de forma segura
para ser posteriormente utilizado para geração de energia.
Ao ser injetado no tanque de armazenagem, o hidrogênio reage
com o magnésio das ligas que compõem o compartimento e forma um hidreto
metálico que se decompõe quando aquecido a uma determinada temperatura,
liberando o gás para ser queimado, por exemplo, em um motor a combustão
ou em uma célula a combustível para geração de energia.
“Essa é uma alternativa muito interessante de armazenar
hidrogênio que pode ser utilizada para substituir os cilindros de alta
pressão utilizados para aprisionar o gás, que são extremamente pesados”,
disse Botta Filho.
Ligas amorfas
Outra aplicação das ligas metálicas desenvolvidas e
caracterizadas pelos pesquisadores está no recobrimento de tubos para
extração de óleo e gás utilizados pelas indústrias petrolíferas, que
costumam apresentar problemas de corrosão e se degradam com o tempo.
“Na tentativa de solucionar o problema, vários tipos de
recobrimentos têm sido utilizados. Somente nos últimos anos, porém, as
ligas de metais amorfas, que apresentam excelentes propriedades de
resistência à corrosão e ao desgaste, têm sido avaliadas para essa
finalidade”, disse Botta Filho.
“Desenvolvemos ligas metálicas amorfas que apresentam maior
resistência à corrosão e ao desgaste e agora estamos aplicando-as em
superfícies de metais tipicamente utilizados em tubulações”, disse.
O grupo também estuda a utilização de ligas metálicas para o
desenvolvimento de implantes biomédicos biodegradáveis. Feitas de
elementos como cálcio, magnésio e zinco, as ligas metálicas podem ser
utilizadas na fabricação de parafusos para ossos, por exemplo, que após
um determinado tempo são absorvidos pelo organismo.
“Ligas metálicas para essa finalidade estão sendo testadas em
animais por cientistas na Suíça, e o desempenho tem sido muito bom”,
disse o pesquisador.
Outras ligas metálicas também desenvolvidas pelos
pesquisadores poderão ser utilizadas em pinos de implantes dentários.
Feitas de titânio nanoestruturado, as novas ligas permitem diminuir
muito a espessura dos pinos convencionais, mantendo a mesma resistência
mecânica. Por conta disso, invadem menos o organismo do paciente.
“Esse tipo de pino de titânio nanoestruturado já está em fase
de aprovação no FDA (a agência regulamentadora de alimentos e fármacos
dos Estados Unidos)”, disse Botta Filho.
Durante a Primeira Escola São Carlos de Estudos Avançados em
Engenharia e Ciências dos Materiais, os pesquisadores da UFSCar deram
aulas práticas aos estudantes de pós-graduação brasileiros e
estrangeiros participantes sobre como desenvolvem e caracterizam metais
amorfos, metaestáveis e nanoestruturados, utilizando os equipamentos de
que dispõem no DEMa.
As atividades complementaram as aulas teóricas proferidas por
cientistas estrangeiros especialistas em processamento e propriedades
de materiais metálicos avançados, como Gary Purdy, professor de
engenharia e ciência dos materiais da McMaster University, do Canadá,
Lindsay Greer, professor de ciência dos materiais da University of
Cambridge, no Reino Unido, e Terence Langdon, professor da University of
Southern California, nos Estados Unidos.
Fonte: Estadão
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